Obrigações e contratos em geral

Justiça do Paraná assenta que sócio não detém legitimidade para, em nome próprio, questionar obrigações da empresa em juízo

A Vara Cível única da Comarca de Laranjeiras do Sul, no Estado do Paraná, julgou improcedente ação declaratória cumulada com ação de indenização ajuizada por sócio de empresa contra credor, reconhecendo que o sócio da empresa não detém legitimidade para, em nome próprio, ajuizar ação para discutir a legalidade das obrigações contraídas pela empresa com terceiros.

No caso em comento, o autor, pessoa física e produtor rural do interior do Estado do Paraná, ajuizou ação pedindo fosse declarado inexigível um débito apontado no Serasa pelo réu em nome da empresa na qual o autor figurava como sócio, bem como pediu a indenização por suposto “dano” decorrente do apontamento no Serasa, alegando, para tanto, que desconhecia a empresa da qual era sócio e que seus documentos teriam sido fraudados, o que seria objeto de apuração perante a Junta Comercial do Estado de São Paulo e em inquérito policial em trâmite em São Paulo.

Citado, o réu, credor da empresa na qual o autor figurava como sócio, apresentou contestação pela qual defendeu que ambos os pedidos deduzidos pelo autor seriam improcedentes, eis que não estavam presentes os pressupostos do dever de indenizar, uma vez que inexistiam apontamentos em nome da pessoa física do autor, mas sim da empresa, bem como porque os débitos da empresa eram totalmente exigíveis e decorrentes da compra de produtos que foram entregues na sede da empresa.

O saneamento e a resolução do processo trazia consigo um fator de irresolúvel perplexidade, pois, ou se entendia pela efetiva separação entre as identidades das pessoas física e jurídica, e, nesse caso, o autor seria manifestamente parte ilegítima e careceria de interesse processual naquilo que foi pleiteado em nome próprio – até porque alegava que não pertencia ao quadro societário daquela empresa –, ou se entendia pela existência de confusão entre as pessoas física e jurídica, de modo que não se poderia falar em dano para o sócio por inscrição feita em nome da pessoa jurídica, bem como deveria ser julgado improcedente o pedido de inexigibilidade dos débitos da pessoa jurídica, uma vez que os produtos foram entregues na sede da empresa compradora.

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Neste ponto, uma das condições da ação é a legitimidade para pleitear em juízo, sendo vedado pelo art. 18, do Código de Processo Civil, pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado por lei.

Ainda, os sócios de pessoas jurídicas detêm legitimidade para defender, em juízo, os interesses da empresa. Nessa perspectiva, do ponto de vista da técnica processual, o art. 75, VIII, do Código de Processo Civil, prevê que a empresa é representada em juízo, ativa e passivamente, por quem os seus atos constitutivos designarem ou, ainda, por seus diretores. 

No caso concreto, a sentença observou que o sócio não ostentava legitimidade para litigar em nome próprio, uma vez que a pessoa física de seu representante legal não se confunde com a pessoa jurídica, tanto mais porque defendia que teria sido incluído ilicitamente no quadro societário da pessoa jurídica.

Nesta senda, a pessoa jurídica possui personalidade jurídica própria que não se confunde com a personalidade do autor e a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas e físicas é um instrumento legal com correspondência na legislação civil de alocação e segregação de riscos, com a finalidade de estimular empreendimentos, geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos, o que obrigatoriamente afasta a legitimidade do autor em postular em nome próprio direitos da empresa que sequer integra o polo ativo da demanda.

No julgamento, o juízo de primeiro grau também destacou que o réu comprovou que as anotações nos cadastros de restrição ao crédito limitaram-se à pessoa jurídica, não havendo qualquer apontamento em nome do sócio, pessoa física, e que não restou comprovada a existência de ato ilícito praticado pelo réu, reconhecendo que o réu, credor do autor, não incluiu o nome do sócio pessoa física nos cadastros de restrição ao crédito.

Isso porque, da leitura dos arts. 186 e 927, do Código Civil, é garantido ao lesado a reparação civil por parte daquele que tenha cometido ato ilícito que lhe cause prejuízo, mas, para tanto, é necessário o preenchimento de requisitos cumulativos para configuração do direito de reparar, quais sejam: 

  • ação ou omissão;
  • dano;
  • nexo de causalidade entre o dano e a ação ou omissão; e
  • culpa – nos casos de responsabilidade subjetiva.
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No caso, quer se aplique a teoria das responsabilidades contratual e extra, quer a da responsabilidade objetiva, a existência do dano e de nexo causal na conduta são elementos constitutivos de qualquer condenação e estes pressupostos foram desconstituídos pela defesa apresentada pelo réu e acolhida pela sentença, na medida em que demonstrado que houve uma série de anotações no nome da empresa nos cadastros de proteção ao crédito, mas não havia provas de que teria havido anotações indevidas no nome do sócio pessoa física, de modo que, ausente prova de inscrição indevida, inexiste dano a ser indenizado.

Esse fato reconhecido pela sentença – ausência de qualquer inscrição no nome do autor, mas sim da empresa – foi irrelevante para o alegado prejuízo moral, uma vez que a personalidade das pessoas física e jurídica não se confundem.

Ao final, a sentença, além de declarar a ilegitimidade do sócio pessoa física, também julgou improcedentes os pedidos, observando ser irrelevante a comprovação de fraude perante a junta comercial de São Paulo e Paraná, posto que o autor, sendo sócio ou não da empresa, é terceiro, alheio à relação jurídica de direito material celebrada entre as pessoas jurídicas e seria, portanto, parte ilegítima para pleitear em juízo a declaração de inexigibilidade daquelas obrigações pactuadas pela empresa junto ao réu, sendo que eventual ato ilícito decorrente da suposta fraude na inclusão de quadro societário deveria ser objeto de ação em desfavor de quem perpetrou o suposto ilícito e não em favor do réu, credor da empresa. 

A sentença foi proferida em janeiro de 2021.

Para saber mais, confira a íntegra da decisão.

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