Análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.357/DF em que foi reconhecida a validade da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e a constitucionalidade do Estatuto da pessoa com deficiência (Lei n° 13.146/2015)

16 de junho de 2025

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.357/DF foi proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN a fim de questionar a constitucionalidade de artigos do Estatuto da pessoa com deficiência que obrigam escolas privadas a se adequarem para atendimento a alunos com deficiência. A entidade alega que essa exigência transfere responsabilidades exclusivas do Estado para o setor privado, criando um ônus desproporcional. O caso reflete o dilema entre garantir inclusão educacional e equilibrar os custos e capacidades institucionais.

A inclusão social e a proteção de direitos fundamentais no Brasil avançaram significativamente com a Constituição de 1988 e com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Contudo, os desafios permanecem, como o equilíbrio entre a inclusão e a viabilidade econômica das instituições privadas. O Supremo Tribunal Federal exerce um papel essencial para consolidação desses avanços e o enfrentamento dos desafios jurídicos e sociais.

Para análise do tema e dos fundamentos da decisão tomada pelo STF é importante destacar a introdução do §3º ao art. 5º da Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que trouxe um novo paradigma para o ordenamento jurídico brasileiro ao equiparar os tratados internacionais de direitos humanos, aprovados pelo Congresso Nacional com quórum qualificado, às emendas constitucionais. 

Essa inovação reforçou a importância dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e consolidou a proteção dos direitos humanos como pilar fundamental da ordem constitucional.

Esse destaque é importante porque a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, também conhecida por Convenção de Nova Iorque, foi o primeiro tratado que versa sobre direitos de pessoas com deficiência com viés dos direitos humanos e também foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos internalizado pelo procedimento previsto na EC 45/2004, por meio do Decreto nº 6.949/2009. 

Apesar da internalização da Convenção de Nova Iorque, com importantes mudanças sobre o tema, foi editado no Brasil, em 2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), representando um marco legal fundamental para a garantia dos direitos e a inclusão social das pessoas com deficiência no país. Este cenário evidencia como o direito pode ser um instrumento de transformação social, promovendo a igualdade e a dignidade para todos.

Assim que a lei foi promulgada, a CONFENEN, por meio da ADIn nº 5.357/DF, questionou os seus arts. 28, § 1º, e 30, caput (que davam aplicabilidade ao art. 24 da Convenção de Nova Iorque), que impunham obrigações específicas às instituições privadas de ensino, em especial a obrigatoriedade de todas as escolas participantes do sistema educacional brasileiro, públicas ou privadas, receber alunos com deficiência, utilizando-se de recursos e adaptações necessárias, proibindo cobranças adicionais por parte das escolas privadas. A entidade alegou violação de princípios constitucionais, como a livre iniciativa e a isonomia, bem como que a obrigatoriedade de prover educação seria apenas do Estado e das respectivas famílias.

O Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel crucial na interpretação e aplicação dos tratados internacionais, especialmente em matéria de direitos humanos. Ele é responsável por garantir que normas internas estejam alinhadas aos compromissos internacionais do Brasil, promovendo a proteção de grupos vulneráveis.

No caso de tratados aprovados com quórum qualificado, o STF tem reconhecido sua equivalência às emendas constitucionais, reforçando a supremacia dos direitos humanos na ordem jurídica.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar a referida ADIn, destacou a importância dos tratados internacionais de direitos humanos na hierarquia normativa brasileira e reafirmou sua competência para dirimir conflitos entre normas internas e tratados internacionais, destacando a relevância hierárquica dos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro.

 No julgamento, prevaleceu o entendimento de que a proibição de cobrança adicional está em perfeita consonância com os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana, que fundamentam o Estatuto. 

O Ministro Fachin destacou em seu voto que o ensino inclusivo é política pública estável, desenhada, amadurecida e depurada ao longo do tempo e que a inclusão foi incorporada à Constituição como regra. Ressaltou que a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, que tem entre seus pressupostos promover, proteger e assegurar o exercício pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, foi ratificada pelo Congresso Nacional, o que lhe confere status de emenda constitucional. 

Segundo ele, ao transpor a norma para o ordenamento jurídico, o Brasil atendeu ao compromisso constitucional e internacional de proteção e ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas com deficiência.

Nesse sentido, o Relator salientou que, embora o serviço público de educação seja livre à iniciativa privada, independentemente de concessão ou permissão, isso não significa que os agentes econômicos que o prestam possam atuar ilimitadamente ou sem responsabilidade. Lembrou que, além da autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, é necessário o cumprimento das normas gerais de educação nacional e não apenas as constantes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei 9.394/1996), como alega a CONFENEN.

O Ministro ressaltou que as escolas não podem se negar a cumprir as determinações legais sobre ensino, nem entenderem que suas obrigações legais se limitam à geração de empregos e ao atendimento à legislação trabalhista e tributária. Também considera incabível que seja alegado que o cumprimento das normas de inclusão poderia acarretar eventual sofrimento psíquico dos educadores e usuários que não possuem qualquer necessidade especial. Argumentou não ser possível aos estabelecimentos de ensino privados se dizerem surpreendidos pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, pois a lei só entrou em vigor 180 dias depois de promulgada. Afirmou também que não é possível ceder a argumentos fatalistas que permitam uma captura da Constituição e do mundo jurídico por supostos argumentos econômicos que estariam apenas no campo retórico.

O Relator da ADIn apontou que, como as instituições privadas de ensino exercem atividade econômica, devem se adaptar para acolher as pessoas com deficiência, prestando serviços educacionais que não enfoquem a questão da deficiência limitada à perspectiva médica, mas também ambiental, com a criação de espaços e recursos adequados à superação de barreiras, salientou: “ Perceba-se: corre-se o risco de se criar às instituições particulares de ensino odioso privilégio do qual não se podem furtar os demais agentes econômicos. Privilégio odioso porque oficializa a discriminação”.

Em seu voto, ao acompanhar o Relator, o Ministro Luís Roberto Barroso destacou a importância da igualdade e sua relevância no mundo contemporâneo, tanto no aspecto formal quanto material, especialmente “a igualdade como reconhecimento aplicável às minorias e a necessidade de inclusão social do deficiente”.

Também seguindo o voto do Ministro Fachin, o Ministro Teori Zavascki ressaltou a importância para as crianças sem deficiência conviverem com pessoas com deficiência.

Votando pela improcedência da ação, a Ministra Rosa Weber afirmou que, em seu entendimento, muitos dos problemas que a sociedade enfrenta hoje, entre eles a intolerância, o ódio, desrespeito e sentimento de superioridade em relação ao outro talvez tenham como origem o fato de que gerações anteriores não tenham tido a oportunidade de conviver mais com a diferença.

Segundo o Ministro Luiz Fux, não se pode analisar a legislação infraconstitucional sem passar pelas normas da Constituição, que tem como um dos primeiros preceitos a promoção de uma sociedade justa e solidária. 

Ao votar pela validade das normas questionadas, o Ministro afirmou que “Não se pode resolver um problema humano desta ordem sem perpassarmos pela promessa constitucional de criar uma sociedade justa e solidária e, ao mesmo tempo, entender que hoje o ser humano é o centro da Constituição; é a sua dignidade que está em jogo”. 

Ao também seguir o voto do Ministro Fachin, a Ministra Carmen Lúcia afirmou que “todas as formas de preconceito são doenças que precisam ser curadas”.

O Ministro Gilmar Mendes acompanhou o voto do Relator, mas apontou a necessidade de se adotar no país uma cláusula de transição, quando se trata de reformas significativas na legislação. Afirmou que muitas das exigências impostas por lei dificilmente podem ser atendidas de imediato, gerando polêmicas nos tribunais.

Já o presidente do STF à época, Ministro Ricardo Lewandowski, enfatizou a convicção atual de que a eficácia dos direitos fundamentais também deve ser assegurada nas relações privadas, não apenas constituindo uma obrigação do Estado. Afirmou que o voto do Ministro Fachin é mais uma contribuição do Supremo no sentido da inclusão social e da promoção da igualdade. Também seguiu o Relator, com a mesma fundamentação, o Ministro Dias Toffoli1.

O único Ministro a divergir do Relator, foi o Ministro Marco Aurélio, que votou pelo acolhimento parcial da ADIn, para estabelecer que é constitucional a interpretação dos artigos atacados no que se referem à necessidade de planejamento quanto à iniciativa privada, sendo inconstitucional a interpretação de que são obrigatórias as múltiplas providências previstas nos arts. 28 e 30 do Estatuto da pessoa com deficiência: “(…) não pode compelir a iniciativa privada a fazer o que ele não faz porque a obrigação principal é dele [Estado] quanto à educação. Em se tratando de mercado, a intervenção estatal deve ser minimalista. A educação é dever de todos, mas é dever precípuo do Estado”.

Com a referida decisão, o STF julgou constitucionais as normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência que estabelecem a obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção de pessoas com deficiência no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas, reconhecendo a inclusão da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência ao ordenamento jurídico brasileiro. 

Assim, vemos que o Brasil se orienta pela paridade entre tratado e a lei federal. Quando um tratado é ratificado pelo Brasil, passa-se a fazer parte do direito brasileiro. 

A inclusão do parágrafo 3º ao art. 5º da Constituição endossa a hierarquia formalmente constitucional de todos os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, que já se verifica na interpretação do parágrafo 2º. “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

O parágrafo 3º, acrescido pela EC nº 45, destaca que os tratados internacionais de direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, equivaler-se-ão às Emendas à Constituição, restando claro que, se não obtido o quórum qualificado, os tratados de direitos humanos não serão recepcionados como lei federal.

Dessa forma, conclui-se que há paridade entre a norma brasileira de produção doméstica e a norma brasileira de produção internacional. 

Considerações finais

A decisão do STF na ADI 5.357 reafirma a centralidade dos direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, evidenciando a compatibilidade entre o Estatuto da Pessoa com Deficiência e os valores constitucionais. Além disso, demonstra o papel do Supremo Tribunal Federal como guardião dos direitos fundamentais. 

O caso também ressalta a importância do diálogo entre o direito interno e os compromissos internacionais, reforçando a ideia de que a proteção dos direitos humanos transcende fronteiras e exige um esforço conjunto para sua efetivação.

A inclusão do §3º ao art. 5º, da CF, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, veio endossar a hierarquia formalmente constitucional de todos os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, que já se verificava na interpretação do §2º da Constituição.  O referido parágrafo dispõe que não serão excluídos os direitos e garantias dos princípios adotados pela Constituição ou dos tratados internacionais dos quais ela tenha ratificado.

Assim, a Emenda Constitucional nº 45/2004, aparentemente, foi a resposta para a dúvida de que os tratados de direitos humanos se incorporam ao direito brasileiro como decorrência de uma cláusula aberta ou do poder constituinte derivado.

 A relação entre tratados internacionais e o direito interno no Brasil é um tema em constante evolução. O caso da ADI 5.357/DF exemplifica os desafios e as oportunidades que surgem quando normas internacionais são incorporadas ao sistema jurídico nacional.

 É essencial que o STF continue a atuar como guardião dos direitos fundamentais, assegurando que o Brasil honre seus compromissos internacionais sem comprometer a coerência e a harmonia entre o ordenamento jurídico interno.

  1. Escolas particulares devem cumprir obrigações do Estatuto da Pessoa com Deficiência, decide Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=318570. Acesso em 11.11.2024. ↩︎

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