As principais alterações trazidas pelo Marco Legal das Garantias 

28 de janeiro de 2024

No dia 31 de outubro de 2023 foi sancionado, pelo Presidente da República, o chamado Marco Legal das Garantias (Lei nº 14.711/23) que, em síntese, aprimora as regras relacionadas ao tratamento do crédito e das garantias relativamente às medidas extrajudiciais para recuperação de crédito. 

A Lei nº 14.711/23 altera as normas que regulamentam as garantias de empréstimos, estabelecendo novas regras e condições para a realização de penhora, hipoteca ou transferência de imóveis para pagamentos de dívidas, criando um acesso mais amplo ao crédito. 

Ainda, aborda a execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca, execução extrajudicial de garantia imobiliária em concurso de credores, intimação do devedor por meio de aplicativos de mensagem instantânea, como o WhatsApp, entre outros pontos. 

Atualmente, a cobrança dos bens dados como garantia em caso de inadimplência deve ser feita pelos credores de forma judicial. Somente com relação aos bens imóveis existe a possibilidade de cobrança extrajudicial. Nesse âmbito, o projeto de lei pretendia, inicialmente, estender para os bens móveis, como os veículos, essa possibilidade, o que, contudo, restou vetado. 

O objetivo do Marco Legal das Garantias é, pois, de desjudicializar o processo de execução das garantias em caso de inadimplência, a fim de que, diante da maior agilidade e segurança jurídica na recuperação de créditos, os juros de financiamento sejam reduzidos, reduzindo, consequentemente, também o risco de inadimplência. 

A seguir, confira as principais alterações que foram implementadas com a sanção da Lei nº 14.711/23. 

Alienação fiduciária de propriedade superveniente em garantia ou alienação fiduciária de “segundo grau” 

A Lei nº 14.711/23 instituiu a possibilidade de o bem imóvel ser garantidor de mais de uma operação de crédito, ou seja, de que o mesmo imóvel seja dado como garantia em mais de um empréstimo. 

Pelas regras anteriormente vigentes, um imóvel só poderia ser utilizado como garantia em uma única operação de crédito, ainda que esta operação fosse de valor menor do que o valor do bem ofertado como garantia. 

Exemplificativamente falando, um imóvel avaliado em R$ 1,5 milhão de reais só poderia ser dado em garantia a um financiamento por vez e até a integral quitação deste, ainda que fosse utilizado para obtenção de um empréstimo de somente R$ 500 mil reais. Dessa forma, o imóvel de valor superior não poderia ser considerado para fins de atestar a viabilidade financeira do tomador do empréstimo em contratação de crédito diversa. 

Nos termos da nova lei, o mesmo bem poderá, pois, ter seu valor fracionado e servir de lastro para outras operações de crédito, até o limite do valor real do bem, nos seguintes termos: 

“Art. 9º-A Fica permitida a extensão da alienação fiduciária de coisa imóvel, pela qual a propriedade fiduciária já constituída possa ser utilizada como garantia de operações de crédito novas e autônomas de qualquer natureza, desde que: 

I – sejam contratadas as operações com o credor titular da propriedade fiduciária; e 

II – inexista obrigação contratada com credor diverso garantida pelo mesmo imóvel, inclusive na forma prevista no § 3º do art. 22 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. 

§ 1º A extensão da alienação fiduciária de que trata o caput deste artigo somente poderá ser contratada, por pessoa física ou jurídica, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e nas operações com Empresas Simples de Crédito. 

§ 2º As operações de crédito garantidas pela mesma alienação fiduciária, na forma prevista no caput deste artigo, apenas poderão ser transferidas conjuntamente, a qualquer título, preservada a unicidade do credor.” 

A lei ainda estabelece a possibilidade de extensão da alienação fiduciária e transferência da operação/título de crédito para instituição financeira diversa, desde que esta seja integrante do mesmo sistema de crédito cooperativo da instituição credora da operação original e, ainda, garantidora fidejussória da operação de crédito original. 

Em caso de inadimplemento, a lei prevê que a ausência de pagamento e de purgação da mora em relação a quaisquer das operações de crédito faculta ao credor considerar vencidas, antecipadamente, todas as demais operações de crédito garantidas pela mesma alienação fiduciária, hipótese na qual torna-se exigível pelo credor a totalidade da dívida. 

Acerca da forma, a Lei nº 14.711/23 dispõe que: 

“Art. 9º-B A extensão da alienação fiduciária de coisa imóvel deverá ser averbada no cartório de registro de imóveis competente, por meio da apresentação do título correspondente, ordenada em prioridade das obrigações garantidas, após a primeira, pelo tempo da averbação.” 

O referido título de extensão da alienação fiduciária deverá fazer constar, entre outros pontos, o valor principal da nova operação de crédito, taxa de juros encargos incidentes e, inclusive, a cláusula sobre a ausência de pagamento e de purgação da mora, conforme expresso no texto da lei. 

Segundo o texto da lei, vencida e não paga a dívida, no todo ou em parte, e constituídos em mora o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante, será consolidada a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. 

Por fim, acerca da extensão da alienação fiduciária, a lei prevê que esta não poderá exceder ao prazo final de pagamento e ao valor garantido constantes do título da garantia original.  

Agente de garantia 

A nova lei também criou a figura do agente de garantia, que será designado pelos credores e atuará em benefício destes. 

O agente de garantia terá autonomia para registrar o gravame do bem, gerir o bem e pleitear a execução da garantia, podendo, ainda, valer-se da execução extrajudicial da garantia sempre que previsto na legislação especial aplicável à modalidade de garantia. 

Ademais, o agente de garantia poderá atuar em ações judiciais que envolvam o crédito garantido, conforme se vê: 

“Art. 853-A. Qualquer garantia poderá ser constituída, levada a registro, gerida e ter a sua execução pleiteada por agente de garantia, que será designado pelos credores da obrigação garantida para esse fim e atuará em nome próprio e em benefício dos credores, inclusive em ações judiciais que envolvam discussões sobre a existência, a validade ou a eficácia do ato jurídico do crédito garantido, vedada qualquer cláusula que afaste essa regra em desfavor do devedor ou, se for o caso, do terceiro prestador da garantia. 

§ 1º O agente de garantia poderá valer-se da execução extrajudicial da garantia, quando houver previsão na legislação especial aplicável à modalidade de garantia. 

§ 2º O agente de garantia terá dever fiduciário em relação aos credores da obrigação garantida e responderá perante os credores por todos os seus atos.” 

A lei prevê que “o agente de garantia poderá ser substituído, a qualquer tempo, por decisão do credor único ou dos titulares que representarem a maioria simples dos créditos garantidos, reunidos em assembleia”. 

Tal substituição, porém, somente terá eficácia após se tornar pública “pela mesma forma por meio da qual tenha sido dada publicidade à garantia”. 

Acerca da referida assembleia, dispõe a Lei nº 14.711/23 que os requisitos de convocação e instalação das assembleias dos titulares dos créditos deverão estar previstos no ato de designação ou contratação do agente. 

O Marco Legal das Garantias amplia a possibilidade de atuação do agente de garantia também com relação ao devedor, desde que aja com estrita boa-fé, nos seguintes termos: 

“§ 7º Paralelamente ao contrato de que trata este artigo, o agente de garantia poderá manter contratos com o devedor para: 

I – pesquisa de ofertas de crédito mais vantajosas entre os diversos fornecedores; 

II – auxílio nos procedimentos necessários à formalização de contratos de operações de crédito e de garantias reais; 

III – intermediação na resolução de questões relativas aos contratos de operações de crédito ou às garantias reais; e 

IV – outros serviços não vedados em lei. 

§ 8º Na hipótese do § 7º deste artigo, o agente de garantia deverá agir com estrita boa-fé perante o devedor.” 

Procedimentos de execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca 

O Marco Legal das Garantias trouxe, ainda, a previsão de procedimentos para a execução extrajudicial de créditos garantidos por hipoteca, ampliando as possibilidades de utilização desse instituto, especialmente com relação às normas de extinção da dívida e de interrupção do procedimento para adoção de outras medidas executórias, conforme os interesses do credor: 

“Art. 9º Os créditos garantidos por hipoteca poderão ser executados extrajudicialmente na forma prevista neste artigo. 

§ 1º Vencida e não paga a dívida hipotecária, no todo ou em parte, o devedor e, se for o caso, o terceiro hipotecante ou seus representantes legais ou procuradores regularmente constituídos serão intimados pessoalmente, a requerimento do credor ou do seu cessionário, pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel hipotecado, para purgação da mora no prazo de 15 (quinze) dias, observado o disposto no art. 26 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, no que couber. 

§ 2º A não purgação da mora no prazo estabelecido no § 1º deste artigo autoriza o início do procedimento de excussão extrajudicial da garantia hipotecária por meio de leilão público, e o fato será previamente averbado na matrícula do imóvel, a partir do pedido formulado pelo credor, nos 15 (quinze) dias seguintes ao término do prazo estabelecido para a purgação da mora.” 

Antes de o bem ser alienado em leilão, a lei prevê a possibilidade de o devedor ou, ainda, o prestador da garantia hipotecária remir a execução mediante o pagamento total da dívida, com o acréscimo das despesas relacionadas ao procedimento de cobrança e leilões. 

Ainda, na hipótese de o lance oferecido no segundo leilão não ser igual ou superior ao valor integral da dívida garantida pela hipoteca, das despesas (inclusive emolumentos cartorários), dos prêmios de seguro, dos encargos legais (inclusive tributos) e das contribuições condominiais para arrematação, o credor poderá optar por: 

I – apropriar-se do imóvel em pagamento da dívida, a qualquer tempo, pelo valor correspondente ao referencial mínimo devidamente atualizado, mediante requerimento ao oficial do registro de imóveis competente, que registrará os autos dos leilões negativos com a anotação da transmissão dominial em ato registral único, dispensadas, nessa hipótese, a ata notarial de especialização de que trata este artigo e a obrigação a que se refere o § 8º deste artigo; ou 

II – realizar, no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias, contado do último leilão, a venda direta do imóvel a terceiro, por valor não inferior ao referencial mínimo, dispensado novo leilão, hipótese em que o credor hipotecário ficará investido, por força desta Lei, de mandato irrevogável para representar o garantidor hipotecário, com poderes para transmitir domínio, direito, posse e ação, manifestar a responsabilidade do alienante pela evicção e imitir o adquirente na posse. 

Regras acerca do concurso de credores com garantia sobre o mesmo imóvel 

A Lei nº 14.711/23 instituiu regras referentes à execução extrajudicial de garantia imobiliária em caso de concurso de credores: 

“Art. 10. Quando houver mais de um crédito garantido pelo mesmo imóvel, realizadas averbações de início da excussão extrajudicial da garantia hipotecária ou, se for o caso, de consolidação da propriedade em decorrência da execução extrajudicial da propriedade fiduciária, o oficial do registro de imóveis competente intimará simultaneamente todos os credores concorrentes para habilitarem os seus créditos, no prazo de 15 (quinze) dias, contado da data de intimação, por meio de requerimento que contenha: 

I – o cálculo do valor atualizado do crédito para excussão da garantia, incluídos os seus acessórios; 

II – os documentos comprobatórios do desembolso e do saldo devedor, quando se tratar de crédito pecuniário futuro, condicionado ou rotativo; e 

III – a sentença judicial ou arbitral que tornar líquido e certo o montante devido, quando ilíquida a obrigação garantida.” 

A lei dispõe que, decorrido o prazo de 15 dias, contado da data de intimação dos credores, o oficial do registro de imóveis lavrará a certidão e intimará o garantidor e todos os credores “quanto ao quadro atualizado de credores, que incluirá os créditos e os graus de prioridade sobre o produto da excussão da garantia”. 

Para a definição dos graus de prioridade, a lei prevê que será observada a antiguidade do crédito. 

Acerca da distribuição dos recursos obtidos pela excussão da garantia, o Marco Legal das Garantias estabelece que ficará a cargo do credor exequente, que deverá observar os graus de prioridade estabelecidos no quadro de credores, bem como os prazos legais para a entrega, ao devedor, de eventual quantia remanescente após o pagamento dos credores. 

Novas atribuições aos Cartórios 

O Marco Legal das Garantias trouxe, também, novas atribuições aos cartórios, como a faculdade de intermediar acordos entre as partes credora e devedora. Nesse âmbito, dispõe a lei sobre soluções negociais prévias ao protesto, medidas de incentivo à renegociação de dívidas e aprimoramento das regras sobre protesto. 

O texto da lei prevê a possibilidade de recepção do título ou documento de dívida pelo tabelião de protesto com a recomendação do credor, caso este assim requeira, de proposta de solução negocial prévia, desde que observado: 

I – o prazo de resposta do devedor para a proposta de solução negocial será de até 30 (trinta) dias, segundo o que vier a ser fixado pelo apresentante, facultada a estipulação do valor ou percentual de desconto da dívida, bem como das demais condições de pagamento, se for o caso; 

II – o tabelião de protesto ou o responsável interino pelo tabelionato expedirá comunicação com o teor da proposta ao devedor por carta simples, por correio eletrônico, por aplicativo de mensagem instantânea ou por qualquer outro meio idôneo; 

III – a remessa será convertida em indicação para protesto pelo valor original da dívida na hipótese de negociação frustrada e se não houver a desistência do apresentante ou credor. 

Conforme se vê, a lei estabelece que a comunicação da proposta poderá ser efetuada de forma simples, inclusive por aplicativo de mensagem instantânea, como o WhatsApp. 

A data de apresentação da proposta da referida proposta é considerada, de acordo com o texto da lei, “para todos os fins e efeitos de direito, inclusive para direito de regresso, interrupção da prescrição, execução, falência e cobrança de emolumentos, desde que frustrada a negociação prévia e esta seja convertida em protesto”.  

Ainda, em caso de concessão de desconto sobre o valor do débito, a lei dispõe que o cálculo dos emolumentos do tabelião, acréscimos legais e demais verbas, como as devidas a título de custas e contribuições aos entes públicos deverá ser feito com base no valor efetivamente pago. 

Caso haja êxito na negociação intermediada pelo tabelião e a dívida seja liquidada, caberá ao devedor arcar com os emolumentos e demais despesas, conforme se vê: 

“§ 3º Quando forem exitosas as medidas de incentivo à solução negocial prévia, será exigido do devedor ou interessado no pagamento, no momento de quitação da dívida, o pagamento dos emolumentos, dos acréscimos legais e das demais despesas, com base na tabela do protesto vigente na data de apresentação do título ou documento de dívida, bem como do preço devido à central nacional de serviços eletrônicos compartilhados pelos serviços prestados.” 

No caso de a proposta de solução negocial prévia não ser exitosa, sua conversão em protesto será considerada ato único, para fins de cobrança de emolumentos. 

Intimação eletrônica em casos de protesto 

Conforme mencionado anteriormente, o Marco Legal das Garantias ampliou a possibilidade do uso da comunicação eletrônica em casos de protesto, incluindo os aplicativos de mensagem instantânea e chamada de voz, inclusive para fins de intimação do devedor. 

Nesse sentido, a Lei nº 14.711/23 dispõe que “o tabelião de protesto poderá utilizar meio eletrônico ou aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para enviar as intimações, caso em que a intimação será considerada cumprida quando comprovado o seu recebimento por meio de confirmação de recebimento da plataforma eletrônica ou outro meio eletrônico equivalente”. 

Prova de vida 

Ainda com relação aos Cartórios, uma das emendas aprovadas alterou a Lei de Registros Públicos ao conceder permissão aos cartórios de registro civil de pessoas naturais para a emissão de certificados de vida, de estado civil e, ainda, de domicílio físico ou eletrônico do interessado, conforme se vê: 

“§ 6º Os ofícios de registro civil das pessoas naturais poderão, ainda, emitir certificado de vida, de estado civil e de domicílio, físico e eletrônico, da pessoa natural, e deverá ser realizada comunicação imediata e eletrônica da prova de vida para a instituição interessada, se for o caso, a partir da celebração de convênio.” (NR) 

Conforme disposto no texto da lei, deverá, para tanto, haver um convênio com a instituição interessada, bem como a comunicação a ela de forma imediata e eletrônica com relação à prova de vida autenticada. 

Veto 

Conforme supramencionado, a Lei nº 14.711/23, também conhecida como o Marco Legal das Garantias, restou sancionada com veto do Poder Executivo com relação à execução extrajudicial de bens móveis, como veículos, garantidos por alienação fiduciária. 

O texto da lei previa a possibilidade da tomada de veículos através de mandados extrajudiciais, ou seja, independentemente de ordem judicial. A apreensão extrajudicial de bens móveis seria aplicável aos casos em que, por inadimplência, o devedor não entregasse o bem no prazo determinado. 

Todavia, considerou o Poder Executivo que a medida seria inconstitucional e afetaria direitos e garantias individuais. 

Dessa forma, com o veto, está proibida a tomada de bens móveis cujo financiamento esteja em situação de inadimplência sem prévia decisão do Poder Judiciário. 

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