O Supremo Tribunal Federal, em acórdão publicado em 28/04/2023, declarou a constitucionalidade do art. 139, inciso IV do CPC, que prevê a aplicação de medidas atípicas para cumprimento de decisão judicial.
Tratou-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada por partido político, tendo por objeto os artigos 139, IV, 297, caput, 380 parágrafo único, 403, parágrafo único, 536, caput e §1º e 773, todos do CPC:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código incumbindo-lhe:
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.
Art. 380. Incumbe ao terceiro, em relação a qualquer causa:
Parágrafo único. Poderá o juiz, em caso de descumprimento, determinar, além da imposição de multa, outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias.
Art. 400. Ao decidir o pedido, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou da coisa, a parte pretendia provar se:
Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido.
Art. 403. Se o terceiro, sem justo motivo, se recusar a efetuar a exibição, o juiz ordenar-lhe-á que proceda ao respectivo deposito em cartório ou em outro lugar designado, no prazo de 5 (cinco) dias, impondo ao requerente que o ressarça pelas despesas que tiver.
Parágrafo único. Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão.
Art. 536. No cumprimento de sentença que reconheça a exigibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento, para a efetivação da tutela específica ou a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente, determinar as medidas necessárias a satisfação do exequente.
§1º Para atender ao disposto no caput, o juiz poderá determinar, entre outras medidas, a imposição de multa, a busca e apreensão, a remoção de pessoas e coisas, o desfazimento de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial.
Art. 773. O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias ao cumprimento da ordem de entrega de documentos e dados.”
Na petição inicial, o autor defendeu que a autorização do CPC, para que os juízes adotem atos executivos atípicos não pode dar margem à adoção de técnicas de execução indireta concretizadas na suspensão do direito de dirigir, apreensão de CNH ou de passaporte, além da proibição de participação em concurso ou licitação públicos, sob pena de ofensa ao direito de locomoção (art.5º, XV e LIV da CF) e à dignidade da pessoa humana (art.1º, III da CF). Argumenta que o objetivo dos procedimentos executórios é preponderantemente patrimonial e não se confunde com o direito de liberdade das partes, sendo que interferências no direito de locomoção, liberdade contratual e na autonomia privada do devedor ocasionariam retrocesso, incompatível com a CF.
Para o autor da ação direta, se o art.139, IV, do CPC normatiza a atipicidade dos atos executivos para atingir maior efetividade, a sua leitura deve excluir os atos executivos que confrontem a Constituição, de modo que o sentido das expressões “medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial”, não pode ser atribuída exclusivamente ao subjetivismo judicial.
Ao final, formulou pedido para que o STF declarasse a nulidade do inciso IV do art.139 do CPC, declarando inconstitucionais, como medidas coercitivas, indutivas ou sub-rogatórias, a apreensão de CNH e/ou suspensão do direito de dirigir, a apreensão de passaporte, a proibição de participação em concurso público e a proibição de participação em licitação pública, bem como fosse julgado procedente o pedido também para declarar a nulidade dos artigos 297, 390, parágrafo único, 400, parágrafo único, 403, parágrafo único, 536, caput e §1º, e 773, todos do CPC.
O Ministro Relator Luiz Fux, iniciou o voto expondo que:
O que será demonstrado no presente voto é que quaisquer discussões relativas à proporcionalidade das medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias tomadas para assegurar o cumprimento de ordem judicial apenas podem ser analisadas in concreto, por meio do sopesamento dos bens jurídicos efetivamente em conflito, a partir da motivação externalizada pelo órgão julgador.
Em seu voto, o relator argumenta que a efetividade das decisões do Poder Judiciário possui valor constitucional intrínseco, pois deriva da própria ideia de inafastabilidade da jurisdição, já que dentre os meios apresentados pela Constituição para a concretização das decisões, assume especial relevância a possibilidade de controle jurisdicional de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, que demanda para a sua materialização, o amplo acesso à justiça. Aponta que o Estado Democrático de Direito, para a sua ampla efetivação, disponibiliza remédios jurídicos aptos a combater eventuais violações à ordem jurídico-constitucional, pois, de nada valeria a prerrogativa de provocar o Judiciário e dele obter uma resposta, se inexistentes os meios de assegurar, tempestivamente, o cumprimento de suas decisões, já que para além dos interesses contrapostos em cada caso, sempre existirá o interesse na solução e efetivação da ordem exarada pelo órgão julgador.
Para o ministro não é possível ignorar o conjunto de normas e institutos previstos no Código de Processo Civil que cumprem a função de direcionar a atividade do magistrado:
In casu, como ficará evidente no presente voto, acolher o pleito de inconstitucionalidade – ainda que sem redução de texto – equivaleria a desconsiderar a existência de um conjunto de normas fundamentais e institutos jurídicos positivados no Novo Código de Processo Civil, que têm exatamente a função de guiar a atividade jurisdicional. Corresponderia, ademais, à limitação, ex ante, da discricionariedade do órgão julgador, em nome da proteção absoluta da liberdade do devedor, independentemente dos demais valores jurídicos afetos a cada caso.
Afirma que o descumprimento das decisões judiciais enfraquece o sistema judicial:
O que parece evidente, todavia, é que o descumprimento das decisões judiciais e a eternização do processo são circunstâncias que fragilizam a garantia de acesso à justiça, prejudicando não somente aquele que busca obter determinada prestação, mas, igualmente, o sistema judicial como um todo, desacreditando e deslegitimando o Poder Judiciário.
A autorização genérica do art.139, IV do CPC, segundo o ministro, se traduz em autêntico dever de efetivação das decisões pelo magistrado, já que o seu papel não se restringe à mera subsunção do fato à norma, ou seja, a mera indeterminação de uma norma não enseja, automaticamente, a sua inconstitucionalidade, pois havendo suficientes pilares constitucionais e infraconstitucionais que conduzam a sua interpretação, o julgador estará, em regra, em conformidade com o Direito. Para o ministro, a aplicação concreta das medidas atípicas pelo magistrado encontra limites inerentes ao sistema, como o respeito ao devido processo legal, ao contraditório, à proporcionalidade, à eficiência e, à sistemática positivada no CPC (arts. 1º e 8º), o que evita o uso arbitrário de quaisquer medidas para a efetivação de suas decisões, cabendo ao magistrado, ao fundamentar seu juízo discricionário, especial atenção ao que determina o princípio da menor onerosidade (art. 805 do CPC), que funciona como parâmetro de razoabilidade das medidas atípicas.
Como exemplo, o voto traz uma comparação entre o comportamento do executado no processo e a medida atípica aplicada:
Uma coisa é a restrição do direito de dirigir de um taxista, cuja subsistência dependa do exercício dessa atividade econômica. Outra, muito bem diferente, é a imposição da mesma limitação em face do devedor que utiliza de subterfúgios e medidas evasivas para deixar de pagar o seu débito oriundo de responsabilidade civil, ao mesmo tempo que ostenta padrão de vida luxuoso incompatível com a sua situação de inadimplemento.
O Estado Democrático de Direito, conforme entendimento do Relator, disponibiliza remédios jurídicos para combater o desrespeito à ordem jurídico-constitucional, mencionando as seguintes garantias positivadas como cláusula pétrea: inafastabilidade da jurisdição (art.5º, XXXV), do devido processo legal (art.5º LIV), do contraditório e ampla defesa (art.5º, LV), do acesso à justiça (art.5º, XXXVI) e da proteção da coisa julgada (art.5º XXXVI).
O Relator pondera que só será possível compreender o escopo da medida atípica na esfera de liberdade e autonomia da parte e sua proporcionalidade, diante das provas dos autos e destaca duas perspectivas para atuação do magistrado, quais sejam, sob a ótica da adequação e da necessidade:
Do ponto de vista da adequação, deve-se aferir se a medida eleita – seja uma daquelas destacadas na petição inicial (suspensão da carteira nacional de habilitação ou do passaporte, e da proibição de participação em concurso ou em licitação pública) ou outra escolhida pelo juiz natural com fundamento no art. 139, IV, do Código de Processo Civil – é capaz de contribuir no desfazimento da crise de satisfação que a tutela executiva busca resolver. Assim, exsurge a incumbência do magistrado de (i) explicitar a natureza da medida (se indutiva, coercitiva, mandamental ou sub-rogatória) e (ii) a relacionar à finalidade pretendida (se satisfativa ou coercitiva), cotejando os fins pretendidos e a real aptidão do executado para cumprir a ordem jurisdicional – onde se insere o requisito da presunção de solvabilidade do devedor, a ser demonstrado através da exteriorização de padrão de vida compatível com o adimplemento da dívida.
O vetor da necessidade, em acréscimo, demanda que o magistrado concretize o princípio da menor onerosidade da execução, afastando (i) medidas mais gravosas que outras vislumbradas para o caso concreto e (ii) qualquer caráter sancionatório da medida não prevista especificamente em lei. A propósito, não se deve afastar, ab initio, a priorização de instrumento atípico, quando soar adequado e suficiente para concretizar o cumprimento do provimento, embora existente medida atípica de cunho mais gravoso.
Por isso, o Ministro Luiz Fux conclui que na legislação debatida foram observados e ponderados os valores tutelados pela Constituição, principalmente as garantias de acesso à justiça, efetividade, razoável duração do processo e inafastabilidade da jurisdição, ante a interpretação sistemática do ordenamento jurídico-constitucional para aplicação das medidas atípicas, atendendo aos requisitos do: (i) especial ônus argumentativo do julgador; (ii) respeito ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa e (iii) análise da proporcionalidade, no caso em concreto, da medida determinada.
Acompanhando o voto do Relator, o Ministro André Mendonça expõe que:
Trata-se, aqui, também, de aferir se houve justo equilíbrio, pelo legislador entre (i) o valor constitucional da eficiência (consubstanciada, no caso, pela adoção dos meios necessários ao efetivo cumprimento do título executivo e (ii) a necessidade de salvaguardar as garantias fundamentais do indivíduo (no caso, do executado).
Não parece adequado, sob a ótica do ministro, examinar em controle abstrato de constitucionalidade, entre as medidas disponíveis ao magistrado no caso em concreto, em razão da previsão normativa de atipicidade dos meios executórios, quais seriam incompatíveis ou não com a Constituição, sob pena de se esvaziar a opção legitimamente feita pelo legislador.
Na mesma linha de entendimento, o Ministro Nunes Marques afirma que o CPC confere ao órgão jurisdicional poder de coerção atípico amplo para fazer cumprir a ordem judicial e todas as regras podem ser reconduzidas ao princípio disposto no art. 4º do CPC, que assegura às partes o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Em seu voto, o Ministro Nunes Marques, salienta que os sistemas jurídicos de outros países e no Brasil estipulam consequências civis e penais para a hipótese de descumprimento da decisão judicial, a serem graduadas em cada caso. Aduz que o legislador, no art.139, IV, do CPC, ao estipular uma cláusula genérica em favor do juiz, não esgotou todas as medidas a que o magistrado pode recorrer, sendo que estas não devem ser excluídas abstratamente do rol das medidas indutivas passíveis de adoção, cabendo, em cada caso, às instâncias recursais revisar as decisões tomadas, estabelecer condições para a sua adoção, limitar seu uso e nisso o interessado terá o devido processo legal resguardado.
Ainda nesta temática, o Ministro ressalta que as medidas atípicas não são penalidades, de modo que o réu pode a qualquer tempo cumprir a decisão judicial ou discutir o seu cabimento:
É importante ter presente que essas medidas não são penalidades, de sorte que o réu pode, a qualquer momento, remir a restrição de direito simplesmente cumprindo a ordem judicial ou obtendo efeito suspensivo em algum recurso contra a ordem. Então, não há violação alguma a direito fundamental do obrigado, pois não existe o direito de descumprir ordens judiciais. Ao contrário, a fim de que os direitos fundamentais em geral sejam assegurados, é preciso que o sistema judiciário seja credível e minimamente eficiente e, para isso, o acatamento das decisões judiciais é absolutamente necessário.
Não se pode desconsiderar o risco de as medidas atípicas serem aplicadas de modo arbitrário pelo magistrado, contudo, o ministro pondera que há meios de controle, não sendo razoável retirar do ordenamento jurídico uma norma em abstrato que confere poderes ao magistrado para fazer cumprir as determinações judiciais:
É evidente que devemos ter em conta o risco de esse poder dos juízes ser usado de modo arbitrário, mas me parece que eventuais excessos devem ser controlados topicamente, por meio do jogo normal dos recursos e das ações de impugnação. O que não se me afigura viável é expurgar do ordenamento jurídico uma norma abstrata que dá ao Judiciário a prerrogativa de usar meios atípicos para fazer cumprir as suas ordens. As aplicações concretas devem ser controladas, sim, mas a norma geral não apresenta nenhuma contradição rotunda com a Constituição.
Em seu voto salienta que o Código de Processo Civil ao criar mecanismos para assegurar o cumprimento das decisões judiciais evitou a banalização do tipo desobediência, previsto no art.330 do Código Penal. Ainda ressaltou que não enxerga violação ao direito de ir e vir no caso de apreensão de passaporte, já que para obter referido documento é preciso cumprir algumas obrigações, como exemplo estar em dia com os deveres eleitorais e militares, de modo que o acesso ao passaporte já é limitado a determinações legais, sendo muito mais grave o descumprimento de ordem judicial.
Conclui dizendo que o descumprimento de uma decisão judicial não atinge apenas os envolvidos no processo, mas coloca em dúvida a credibilidade de todo o sistema de justiça e, por consequência, do Estado de direito, sendo que o efeito multiplicador dessa atitude nunca pode ser menosprezado. Nesse contexto, a aplicação razoável do dispositivo questionado aparece como forte inibidor de condutas contrárias à autoridade dos juízes, dos tribunais e, sobretudo, da lei e do direito.
Já o Ministro Alexandre de Moraes, em voto mais contundente, manifestou-se no sentido de que a ação direta de inconstitucionalidade visa, na verdade, declarar inconstitucional um recorte do gênero poder geral de cautela do juiz, partindo-se do pressuposto de que o juiz vai atuar com abuso de poder.
Na mesma linha de entendimento do voto conduzido pelo Relator, o ministro ressalta que as medidas atípicas visam garantir a efetividade da prestação jurisdicional:
Aqui, claramente, o que se pretende – e foi demonstrado claramente pelo eminente Relator e por aqueles que o seguiram – é garantir a efetividade da prestação jurisdicional, a garantia da efetividade da prestação jurisdicional com a possibilidade de aplicação de medidas atípicas, proporcionais e razoáveis, dentro do que o ordenamento jurídico entende possível, por óbvio. Qualquer desvio disso será inconstitucional.
O CPC, sob a ótica do Ministro, consolidou o dever-poder geral de efetividade das decisões judiciais, decorrente dos princípios do devido processo legal, da inafastabilidade do controle jurisdicional, da razoável duração do processo, da economia, da efetividade, da boa-fé e da cooperação processual, conferindo maior proteção aos direitos fundamentais das partes e trazendo um resultado satisfativo às execuções, ponderando que as decisões judiciais devem ser fundamentadas:
Noutra vertente, não subsiste a alegação do Partido autor no sentido de que as normas ora contestadas têm o condão de conferir autorização para decisões judiciais autoritárias/arbitrárias que violam os direitos fundamentais das partes.
Isso porque a nova ordem processual civil, ao renovar a determinação constitucional de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, expressamente estatuiu que não basta, para tão fim, a mera indicação, reprodução ou paráfrase de dispositivo legal. Veja-se, a propósito, o teor do artigo 489, § 1º e incisos, do CPC/2015.
Nota-se, pois, que os artigos 139, IV; 297; 403, parágrafo único; 536, caput e §1º; e 773, do CPC/2015 constituem cláusula aberta temperada, uma vez que, embora dotem o juiz de poderes instrutórios para determinar a adoção de medidas executivas atípicas, não podem ser analisadas de forma isolada, senão dentro do sistema normativo que integram. Logo, devem ser conjugadas com o artigo 489, § 1º e incisos acima transcritos, de forma a evitar decisões ilegais ou inconstitucionais.
Não obstante, nos casos em que a parte entender que a decisão que lhe é prejudicial está eivada de inconstitucionalidade, poderá valer-se dos meios processuais adequados para a reforma/alteração/supressão da decisão.
As medidas restritivas, conforme o voto do ministro, não alcançam aqueles desprovidos de meios de cumprir a obrigação, mas apenas os que se valem de pretextos, ocultando patrimônio, para não solver o débito. Afirma que o CPC, ao ampliar as hipóteses em que o magistrado pode efetivar as decisões por meio de medidas atípicas, visou solucionar a demora no cumprimento das decisões judiciais e a ineficiência das execuções provocadas por condutas reiteradas contrárias ao direito, à boa-fé e aos deveres de cooperação das partes no processo.
Divergindo dos demais julgadores, o Ministro Edson Fachin votou pela parcial procedência da ADI para declarar a inconstitucionalidade, de qualquer norma ou interpretação que aplique a expressão contida ao final do inciso IV do art.139 do CPC “inclusive nas ações que tenham por objeto a prestação pecuniária” a quaisquer situações que não sejam restritas à hipótese de obrigação alimentícia, apontando que as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias são inadequadas, desnecessárias e desproporcionais ao cumprimento de medidas judiciais impositivas de obrigações pecuniárias, não podendo o devedor ser sancionado com medidas restritivas de suas liberdades ou direitos fundamentais, em virtude da não quitação de suas dívidas.
Aponta que o poder de adoção de medidas atípicas que limite liberdades, garantias e direitos fundamentais afronta a Constituição:
É relevante anotar que o poder de adoção de medidas atípicas, se por um lado justifica-se por um instrumento de efetivação das decisões do Estado-juiz, por outro, deve também, e principalmente, ser capaz de garantir a tutela integral a que o jurisdicionado tem direito, nos limites do devido processo legal adjetivo e substantivo.
Compelir através de restrições a liberdades, garantias e direitos fundamentais sociais ou políticos, os devedores de obrigações pecuniárias a cumprir decisões judiciais não é uma fórmula consentânea com o Estado Democrático de Direito constituído em 1988 no Brasil.
Para o ministro é constitucional somente a aplicação das medidas atípicas para cumprimento de obrigações de cunho pecuniário, quando se tratar do devedor de alimentos (art.5º, LXVII), hipótese em que a Constituição permite inclusive a constrição de liberdade.
Acompanhando o voto do Relator, o Ministro Luís Roberto Barroso enfatiza que a finalidade dos dispositivos é assegurar a efetividade do processo, de modo a evitar que a parte ganhe, mas não leve. Afirma que o maior gargalo do sistema judicial brasileiro está na execução e, portanto, na efetividade da prestação jurisdicional, logo, a adoção dos meios executivos atípicos previstos no CPC se justifica em caso de ilegítima recusa em cumprir a ordem judicial, observado o devido processo legal e a proporcionalidade.
A inconstitucionalidade, segundo o ministro, deve ser tratada no caso em concreto e não abstratamente, citando os seguintes exemplos:
Convenci-me dos argumentos do eminente Relator, em seu alentado preciso voto. Não é possível, em tese, afirmar a inconstitucionalidade dessas providências. In concreto é possível que seja. Se for uma providência que casse, por exemplo, a carteira nacional de habilitação de alguém que dependa dela para seu sustento, muito possivelmente será inconstitucional in concreto. Em outras situações, não haverá problema. Se a determinação coercitiva for proibir alguém de casar, provavelmente, será inconstitucional, mesmo em tese. Acho que esses exemplos aqui enunciados até podem ser in concreto inconstitucionais, se desproporcionais, mas não em tese. Não se pode afirmar isso dessa maneira.
Até porque os processos judiciais cuidam de bens jurídicos completamente diferentes. Há processo sobre meio ambiente, sobre prestação alimentícia, sobre improbidade administrativa. Dependendo da situação, vai ser legítima, ou não, a medida tomada.
Os Ministros Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Carmen Lúcia acompanharam o voto do Relator, sem maiores ressalvas.
Na linha de entendimento do Relator, o Ministro Gilmar Mendes aduz que estamos diante de um ato normativo que precisa se submeter a um duplo controle de proporcionalidade, isto é, um controle que contemple a dimensão em concreto. Aponta que a aplicação do art.139, IV, do CPC deverá ser compatível com a ordem constitucional vigente, devendo o magistrado analisar se a medida sub-rogatória ou coercitiva não se mostra desproporcional em relação ao bem tutelado e em todas as suas dimensões: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, não podendo a medida executiva atípica restringir direitos fundamentais dos cidadãos como meio de garantir o adimplemento de prestações puramente pecuniárias.
A Ministra Rosa Weber, também acompanhando o voto do Relator, ressalta que:
A progressista abertura da legislação processual – da atipicidade executiva restrita a alguns tipos de prestação à sua generalização – serve à concretização do direito à tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e adequada (art.5º, XXXV, CF), direito esse que não se exaure na fase cognitiva do processo. Ao contrário, impõe o emprego de técnicas processuais para a efetivação das decisões judiciais e do direito material reconhecido, sob pena da inocuidade da declaração judicial do direito. Autorizada, em decorrência, a adoção das medidas necessárias a tornar efetivas as decisões judiciais.
Restou, portanto, confirmada a constitucionalidade da norma em questão, com expressas e diversas ressalvas de que caberá ao magistrado avaliar, no caso em concreto, se a medida judicial atende aos princípios da proporcionalidade, eficiência, adequação, necessidade, devido processo legal e à proporcionalidade em sentido estrito, bem como o dever de motivação e de observância aos direitos fundamentais.
O acórdão transitou em julgado em 09/05/2023 e pode ser consultado por meio do link: Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br).