Introdução
Talvez o exemplo mais emblemático de aplicação da Teoria da Perda de Uma Chance no direito brasileiro tenha sido a ação indenizatória proposta por uma participante de um famoso “TV show” de perguntas e respostas, cujo prêmio consistia em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em barras de ouro para o participante ganhador que respondesse corretamente todas as perguntas.
No caso específico, o participante chegou à última etapa do programa. Todavia, diante da pergunta formulada, o participante optou por parar o jogo e receber os R$ 500.00,00 (quinhentos mil reais) que já tinha conquistado, em razão de não saber a resposta entre as alternativas oferecidas pelo programa. Posteriormente, a participante constatou que, de fato, a “pergunta do milhão” não poderia ser respondida, uma vez que nenhuma das alternativas propostas estavam corretas. Em razão de tanto, decidiu ajuizar a ação indenizatória pleiteando danos materiais e morais no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por ter perdido a chance de ganhar o prêmio máximo do programa.
O juízo de primeiro grau entendeu pela perda de uma chance e acolheu a pretensão, indenizando a autora em danos materiais no montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), valor este que a autora poderia ter obtido caso a pergunta tivesse sido formulada adequadamente pela direção do programa.
A empresa ré interpôs recurso de apelação requerendo a redução do montante indenizatório fixado no ‘decisum’, sob o argumento de que seria impossível prever que a autora acertaria a pergunta final, ainda que esta fosse formulada adequadamente, uma vez que, de acordo com as regras do programa, cada pergunta teria 4 (quatro) alternativas de resposta. Portanto, a possibilidade de a autora acertar a pergunta deveria ser considerada em 25% (vinte e cinco por cento), o que se traduziria no valor de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) a título de indenização. O acórdão manteve a sentença, ensejando a interposição do recurso especial.
O Superior Tribunal de Justiça conheceu do recurso da ré e a ele deu parcial provimento para o fim de reduzir o montante indenizatório proporcionalmente à chance perdida. Eis a ementa:
Recurso Especial. Indenização. Impropriedade de pergunta formulada em programa de televisão. Perda da oportunidade. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial no 788.459-BA. Quarta Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 8/11/2005).
Do julgado, depreende-se que, em razão de um ato ilícito praticado, a vítima pode também ficar privada de uma oportunidade da chance de obter determinada vantagem, ou de evitar determinado prejuízo.
Além do caso acima mencionado, o STJ já se debruçou sobre a teoria da perda de uma chance em outras matérias como, por exemplo, no julgamento (i) do EDCl no AgRg no Ag n. 1.196.957/DF (4ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJ de 18/4/2012), no qual foi reconhecida a perda de trinta chances, em novecentas, de obter o direito a prêmio anunciado por uma rede de supermercados, por deixar de informar à autora, em tempo hábil, a realização de um segundo sorteio; (ii) do REsp 821.004/MG (3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 24/9/2010), no qual foi concedida a indenização pela perda de uma chance a um candidato a vereador derrotado por reduzida margem de votos, contra quem se plantara notícia falsa às vésperas da eleição; e (iii) no julgamento do REsp nº 1291247/RJ, no qual foi concedida indenização à paciente que perdeu a chance de colher as células troncas do seu bebê e, consequentemente, de curar eventual doença futura, em razão do não comparecimento da empresa contratada na hora do parto (que é o momento oportuno para o procedimento), dentre outros julgados.
Apesar de não estar expressamente prevista em lei, a perda de uma chance é protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro e, por isso, será objeto do presente estudo, discriminando suas especificidades, tendo em vista que a aceitação da perda de uma chance como uma espécie de dano aparece como o caminho que o direito nacional segue e continuará a seguir, eis que, no ordenamento brasileiro não se encontra qualquer dispositivo que possa tornar-se um óbice para a aplicação da teoria da perda de uma chance que está em total conformidade com o nosso ordenamento.
Considerações gerais sobre a Responsabilidade Civil
A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar um dano causado a outrem, restabelecendo o status quo ante, mediante o preenchimento de 3 (três) elementos principais, quais sejam, (i) a conduta que causa um dano, (ii) o dano certo e determinado e (iii) o nexo causal entre eles. Essa reparação, na maioria das vezes, se dá através de uma indenização de cunho pecuniário. Um prejuízo ou dano não reparado é um fator de inquietação social. Os ordenamentos contemporâneos buscam expandir cada vez mais o dever de indenizar, alcançando novos horizontes, a fim de que cada vez menos restem danos não ressarcidos1.
O instituto da responsabilidade civil é um dos mais complexos no Direito Civil e o seu entendimento passa por constantes alterações ao longo dos anos. O ordenamento jurídico brasileiro sempre adotou a teoria da responsabilidade subjetiva. Isso quer dizer que o estudo da responsabilidade civil tradicionalmente tem como requisito primordial comprovar a culpa ou o dolo do agente na prática do ato e, consequentemente, caso não comprovados, o agente causador fica isento de responsabilidade e a vítima não é ressarcida pelos prejuízos sofridos.
Em meados do século XX, observou-se uma crescente preocupação do direito com a efetiva proteção da vítima, o que fez com que indenizações fossem concedidas mediante a comprovação do nexo causal entre o dano sofrido e a conduta do agente, independentemente da comprovação de culpa. O dano, então, passou a ser o ponto central da responsabilidade civil. Foi quando surgiu a teoria objetiva da responsabilidade civil.
Como se pode ver, na teoria da responsabilidade objetiva, houve um distanciamento da culpa, que antes era o principal critério para gerar a reparação do dano, sendo necessário comprovar a culpa ou o dolo do agente para que houvesse indenização. Passou-se a valorizar, primordialmente, o dano injusto causado à vítima.
A partir desse momento, o elemento volitivo da conduta culposa foi sendo mitigado. Nessas circunstâncias, “a ideia de que não há responsabilidade sem culpa, cujo maior defensor foi Rudolf von Ihering e que durante longos anos fundamentou o instituto, não mais se sustentava.”2
A teoria da responsabilidade objetiva fundamenta-se na teoria do risco e está prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, combinado com o art. 933 do mesmo diploma legal. Ela consiste em considerar que toda pessoa que exerce uma atividade, assume o risco de causar dano a outrem, sendo obrigado a repará-lo, ainda que não tenha agido com culpa. É o que ocorre, por exemplo, com os pais que respondem objetivamente pelos atos dos filhos menores; do tutor e do curador que respondem, independentemente de culpa, pelos atos dos curatelados etc.
Após anos de desenvolvimento das teorias de responsabilidade civil, pode-se dizer que existem duas formas de reparação no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam (i) a subjetiva, que depende da análise da culpa do ofensor, e (ii) a objetiva, que retira a importância da caracterização da culpa para que, estando caracterizados o ato ilícito e o dano, vinculados por nexo causal comprovado, exista a obrigação de reparar.
O atual Código Civil de 2002 prevê uma cláusula geral de responsabilidade pela indenização de qualquer espécie de dano, inclusive daqueles oriundos da perda de uma oportunidade, que pode ser encontrada no artigo 186 do Código Civil, cujo teor dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” O artigo 927 do mesmo diploma legal trata do ato ilícito: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Além dos dispositivos supracitados, a Constituição Federal assegura um importante princípio, qual seja, o da reparação integral dos danos, prevista nos artigos 1º, inciso III, e artigo 3º, inciso I, ao consagrar, respectivamente, a dignidade da pessoa humana e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
O princípio da reparação integral dos danos tem como objetivo primordial estabelecer o equilíbrio entre o dano e a devida reparação, assegurando sempre o retorno ao status quo ante. O referido princípio é de fundamental importância para o instituto da responsabilidade civil, uma vez que assegura à vítima o ressarcimento de todos os danos por ela sofridos, com a função de colocá-la na mesma situação que estaria caso o fato danoso não tivesse ocorrido.
A reparação dos danos causados sucede à transgressão de uma obrigação, de um dever jurídico ou de um direito. Para que ocorra o dever de indenizar, não basta apenas a conduta ilícita e o nexo causal, é necessário que haja uma repercussão negativa à vítima, seja de ordem material ou imaterial.
O vocábulo “responsabilidade” pode ser empregado em diversas situações no campo jurídico e, por esse motivo, cumpre esclarecer que a responsabilidade que interessa no presente texto é aquela atribuída ao agente como fato punível ou moralmente reprovável, com por exemplo, a violação de direitos.
O nexo de causalidade – requisito indispensável à caracterização da responsabilidade civil – é a relação de causa e efeito entre a conduta que causou determinado dano e o dano propriamente dito. É o liame que existe entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima.
O dano que interessa para o instituto da responsabilidade civil é o dano indenizável, que deve ser certo e determinado. Portanto, para que ocorra a obrigação de indenizar por parte do causador do dano é necessário que, além da conduta ilícita praticada e do nexo causal, seja comprovado que houve uma perda patrimonial material ou imaterial por parte da vítima.
No âmbito do Direito Civil, o patrimônio é entendido como o conjunto de relações jurídicas de determinado sujeito que sejam economicamente avaliáveis. Dano patrimonial é, portanto, uma lesão a um interesse jurídico patrimonial.
O dano patrimonial, também chamado de dano material por alguns doutrinadores, é aquele dano capaz de ser apurável no patrimônio da pessoa e decorre do princípio da reparação integral. Quando se fala em danos patrimoniais, devem ser computados não apenas a diminuição no patrimônio da vítima, mas também, um possível aumento que teria havido em seu patrimônio, caso o evento danoso fosse evitado. Eles podem ser enquadrados como dano emergente ou lucros cessantes.
O Código Civil brasileiro, em seu artigo 402, define o dano emergente como aquilo que a vítima efetivamente perdeu e o lucro cessante como sendo aquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar.
Entende-se, portanto, que a diferença entre as classificações de dano emergente e lucros cessantes é verificada através da atualidade do interesse lesado. Assim, se o dano diz respeito a um bem que a vítima já possui quando a conduta danosa ocorre, tratar-se-á de um dano emergente. Entretanto, quando se referir a um dano futuro, tratar-se-á de lucros cessante.
Por sua vez, o dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que a violação à dignidade da pessoa humana. E justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, corolário do direito à dignidade, é que a Constituição inseriu, em seu art. 5º, incisos V e X, a plena reparação do dano moral.
A Teoria da Perda de Uma Chance
Além dos prejuízos definidos como danos emergentes e lucros cessantes, em razão de um ato ilícito praticado, a vítima pode também ficar privada de uma oportunidade de obter certa vantagem ou de evitar determinado prejuízo.
Por muito tempo, o direito ignorou a possibilidade de responsabilizar o autor do dano decorrente da perda que alguém sofreu de obter uma oportunidade, ou de evitar um prejuízo, por considerar inadmissível que houvesse algum tipo de reparação sobre um dano eventual.
Quando se trata de reparação por uma chance perdida, há a perda de uma possibilidade séria e real de obter um resultado esperado, de modo que o dano a ser indenizado corresponde à perda da própria chance e não ao lucro ou perda que dela era objeto. A frustração da chance ocorre quando o processo que estava em curso foi interrompido devido a uma conduta ilícita de um agente, sendo impossível afirmar, com certeza, que, sem a interrupção, o resultado que se esperava aconteceria.
A doutrina sobre o tema enquadra a perda de uma chance em categoria de dano específico, que não se identifica com um prejuízo efetivo, mas que não se reduz a um dano hipotético3. A chance perdida, ainda que não seja um dano certo e determinado, compõe o patrimônio da vítima e, portanto, deve ser reparada no âmbito civil, desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética.
A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance nasceu em meados de 19654 ,na França, quando da verificação da responsabilidade civil do médico pela perda da chance de cura ou de sobrevivência do seu paciente. A referida teoria enuncia que o causador do dano deve ser responsabilizado quando priva alguém de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Ou seja: diferentemente das demais perdas e danos, não se trata de prejuízo direto à vítima, mas de uma probabilidade.
Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, a perda de uma chance é caracterizada quando:
em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento, que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda.5
Ressalta-se que na análise das chances, deve-se levar em conta que existia uma situação real de obter vantagem ou de obstar determinado prejuízo que foi dissipada, bem como que, apesar da aleatoriedade em torno do resultado final, existe um dano real constituído pela chance perdida. Ou seja, a indenização devida ao lesado se refere à própria chance perdida e não ao lucro ou perda que dela era objeto, o que nos leva à conclusão de que a indenização pela chance perdida será em valor inferior ao resultado pretendido pela vítima se não fosse o impedimento decorrente do ato danoso.
Rafael Peteffi da Silva, um dos primeiros doutrinadores a escrever sobre o tema no Brasil, descreve que:
a chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estaticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza.6
A expectativa frustrada, pela teoria da perda de uma chance, deve ser considerada séria e real para que seja imputada a responsabilidade civil, tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro não admite expectativas incertas ou pouco prováveis e que os danos hipotéticos não serão indenizados.
Dada a dificuldade de verificação dos 3 (três) elementos da responsabilidade civil na perda de uma chance – conduta, dano e nexo causal –, advém uma série de dificuldades na aplicação prática da teoria como modalidade de reparação civil, tais como (i) a valoração das probabilidades – chances perdidas – como um “dano” certo e determinado, já que o ordenamento jurídico não admite indenização por danos meramente hipotéticos, (ii) a apuração e valoração do dano a ser reparado e (iii) a natureza jurídica da chance perdida.
A pergunta que se faz a partir disso é: como diferenciar um dano hipotético de uma chance séria e real de dano? A ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda de uma chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o improvável do quase certo, bem como a probabilidade de perda da chance de lucro, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas.”7
Para a correta aplicação da teoria da perda de uma chance, o objeto da indenização, portanto, consiste na chance perdida e não no dano sofrido. Ou seja, a incerteza que paira a indenização por chances deve incidir somente no que tange ao resultado esperado pela vítima, mas não sobre a chance séria e real existente anteriormente ao ato ilícito.
Justamente por ser baseada em uma probabilidade de chances de obtenção de um resultado favorável é que a utilização dessa teoria não é tão simples quanto a sua definição. Para que se possa responsabilizar civilmente o causador do dano pela perda de uma determinada vantagem ou de evitar certo prejuízo, exige-se do aplicador do direito uma análise de cada caso concreto.
Para que o dano seja reparável ele deve ser certo. Essa certeza consiste em comprovar, efetivamente, qual é o dano final suportado pela vítima. Contudo, no caso da perda de uma chance, o resultado é incerto e, portanto, é impossível determiná-lo com precisão. O que o ofendido tem de concreto a ser postulado nessas indenizações é a probabilidade que ele tinha de alcançar o resultado almejado quando sofreu o dano.
A chance reparável é anterior à conduta que impossibilita alcançar a vantagem esperada, portanto, é certo que antes da ocorrência do fato que interrompeu o desencadeamento de eventos, havia para a vítima a “possibilidade de se fazer algo para obter uma vantagem, ou para evitar um prejuízo”. Diante disso, conclui-se que a chance é certa e “incerto será apenas saber se essa oportunidade, se não tivesse sido perdida, traria o benefício esperado”8.
Nesse sentido, pode-se caracterizar a chance como um dano revestido de certeza e, assim sendo, os demais pressupostos da responsabilidade civil (conduta e nexo de causalidade) devem ser analisados perante a chance perdida. Portanto, assim como nos demais casos de responsabilidade civil, para que seja reconhecido o dever de indenizar a chance perdida, deverão ser comprovados: (i) o dano, representado pela chance, (ii) a conduta que o causou e, ainda, (iii) o nexo de causalidade entre a conduta ensejadora do dano e o prejuízo causado.
Nas palavras do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça, “a chance é a possibilidade de um benefício futuro provável, consubstanciada em uma esperança para o sujeito, cuja privação caracteriza um dano pela frustração da probabilidade de alcançar esse benefício possível. Fica claro, assim, que “o perdido, o frustrado, na realidade é a chance e não o benefício esperado como tal” (Henri Lalou, Ibid, p. 78). Por isso, na perda de uma chance, há também prejuízo certo, e não apenas hipotético, situando-se a certeza na probabilidade de obtenção de um benefício frustrado por força do evento danoso.”9
Outro impasse encontrado pela teoria da perda de uma chance diz respeito ao quantum indenizatório, visto que não se busca o ressarcimento pela vantagem (em si) que era esperada caso não fosse o ato lícito, mas sim pela perda da oportunidade de conquistar a vantagem ou de se evitar um prejuízo, de modo que a indenização não pode, em hipótese alguma, corresponder ao valor total do bem de que se tinha uma chance.
O objeto passível de indenização nessa teoria é a oportunidade de obter uma vantagem, e não o lucro em si representado por essa vantagem, de modo que o ressarcimento não poderá corresponder integralmente ao resultado almejado pela vítima, mas sim à chance séria e real da sua obtenção. A chance é revestida de certeza. O resultado que seria alcançado pela vítima, não.
Em razão de tanto, pressupõe-se que a reparação da chance perdida terá um valor inferior àquele resultado pretendido pela vítima, que poderia ter ocorrido se não fosse o ato danoso e dependerá de uma apreciação equitativa pelo julgador que deverá levar em consideração o dano final para, a partir dele, aplicar o percentual de probabilidade que a vítima tinha de obter a vantagem desejada. Ou seja: as possibilidades reais que o sujeito possuía de obter o resultado almejado devem ser valoradas pelo magistrado ao julgar os casos concretos.
O benefício que não aconteceu, mas que poderia ter ocorrido, traz em si a característica da aleatoriedade e não será reparado, mas a probabilidade que existia dessa vantagem se concretizar é a chance a ser reparada, porque está presente a característica da certeza.
No que se refere às chances perdidas, a doutrina diverge quanto à exigência de um “grau de certeza” na obtenção do resultado almejado pela vítima. Sérgio Savi aduz que somente poderá se falar em reparação pela perda de uma chance quando for possível comprovar a probabilidade de no mínimo 50% (cinquenta por cento) de obtenção do resultado esperado.10 Já a corrente defendida por Raimundo Simão entende que “não há como fixar um percentual, principalmente superior a 50% da chance de obtenção do resultado esperado, pois, em primeiro lugar, não há disposição legal a esse respeito; em segundo, esse limitador pode tornar-se elemento impeditivo da obtenção de indenização por perdas de oportunidades reais e sérias. A solução para quantificação do dano deve ficar mesmo para o livre arbítrio dos juízes, a exemplo do que ocorre em relação à fixação da indenização por dano moral.”11
A dificuldade de obter com precisão o quantum ou o percentual a ser reparado em determinados casos concretos, leva a crer que a implementação de um método discricionário, alinhado ao método de percentual de probabilidades, permitiria uma maior flexibilidade e eventual melhor ponderação de cada caso concreto submetido à julgamento.
É que o critério do percentual mínimo de 50% (cinquenta por cento) de probabilidade pode vir a ser impreciso. Toma-se, como exemplo, um cavalo de corrida que não foi entregue. Um determinado magistrado pode crer que a probabilidade do animal ganhar a corrida era de 48% (quarenta e oito por cento), enquanto outro magistrado, diante da mesma situação, poderia entender que a probabilidade era de 52% (cinquenta e dois por cento). Portanto, tem-se que a mera utilização do juízo de probabilidades pode acarretar pequenas variações entre o entendimento de um julgador e outro que poderia ensejar a reparabilidade ou não da chance perdida.12
Nesse ponto, relembra-se, a título exemplificativo, o precedente do programa de televisão julgado pelo STJ e mencionado na introdução do presente artigo, no qual foi concedida a indenização pela perda de uma chance à participante do programa que tinha apenas 25% de chance de acertar a pergunta que lhe daria o prêmio máximo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). No citado exemplo, a chance de 25% era séria e real e, portanto, indenizável.
Em razão de tanto, entende-se que deve haver uma discricionariedade por parte dos julgadores aliado ao critério das probabilidades, ressaltando que a comparação de casos concretos e análogos poderá ajudar a traçar parâmetros úteis à aplicação da teoria da perda de uma chance.
Um terceiro ponto que merece reflexão diz respeito à natureza da indenização por chances perdidas: pode ser utilizada para fundamentação dos danos materiais e para os danos extrapatrimoniais?
Para o doutrinador Rafael Peteffi, alguns julgados brasileiros parecem estar confundindo as hipóteses em que a perda de uma chance deve ser considerada como integrante da categoria de danos extrapatrimoniais com as hipóteses em que a chance perdida é um dano com evidente valor de mercado e, portanto, de natureza patrimonial.13
Sérgio Savi defende que a perda de uma chance poderia causar dano material e, no máximo, se configurar como um agregador do dano moral eventualmente sofrido pela vítima.14
Parece então que o que vai definir a indenização, se por dano material ou dano moral, é o bem que está sendo tutelado juridicamente no caso concreto. Os possíveis ganhos patrimoniais oriundos da perda de uma chance devem ser proporcionalmente mensurados pela probabilidade da ocorrência circunstancial que levaria a vítima obter um lucro esperado ou evitar o prejuízo sofrido.
Sérgio Savi, buscando eliminar o problema da certeza do dano, inseriu a perda da chance no conceito de dano emergente. No seu entendimento, a chance perdida seria enquadrada como um dano emergente em razão da atual possibilidade de ganho que restou frustrada.15
Ocorre que, nos termos do artigo 402 do Código Civil, o dano emergente implica uma efetiva redução no patrimônio daquele que sofreu o dano, o que é inviável em sede de chances perdidas. Ora, se o próprio nome se refere à chance, como enquadrá-la em perda efetiva? Mesmo que a chance seja séria e real, mensurá-la como resultado parece equivocado.
Já os lucros cessantes possuem características semelhantes às chances perdidas, uma vez que, em ambos, a vítima fica impossibilitada de adquirir, lucrar e usufruir de ulteriores utilidades patrimoniais. Tanto na chance perdida, como nos lucros cessantes, as vítimas encontrarão dificuldades para a comprovação do dano, uma vez que sempre haverá dúvida se algum outro evento futuro distinto acarretaria a frustração de determinada expectativa. Logo, ambos os institutos estão ligados à frustração de auferir uma vantagem esperada.
No entanto, a vítima da perda de uma chance não está deixando de lucrar o resultado esperado, vez que nem sequer tem a certeza de que ele ocorreria de fato. Nesses casos, a vítima perde uma oportunidade real e séria de alcançar uma certa vantagem ou, ainda, de evitar um possível prejuízo. Sendo assim, parece equivocado imputar à chance perdida a característica de lucro cessante, tendo em vista que não há como comprovar que de fato esse resultado iria ocorrer.
Para o STJ, “na configuração da responsabilidade pela perda de uma chance não se vislumbrará o dano efetivo mencionado, sequer será o agente causador responsabilizado por um dano emergente, ou por eventuais lucros cessantes, mas por algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado”.16
Desse modo, parece que a perda de uma chance estaria, em verdade, a meio caminho entre os danos emergentes e os lucros cessantes, enquadrando-se como uma terceira modalidade de danos patrimoniais, sem prejuízo que seja adotada, em casos excepcionais, para as hipóteses de danos extrapatrimoniais quando constatados os requisitos necessários.
Conclusão
A teoria da perda de uma chance nasceu na França e tinha como objetivo principal a responsabilização dos médicos. Contudo, diante dos avanços da sociedade e do princípio constitucional da reparação integral dos danos, ela pode ser aplicada a inúmeras situações e é de fundamental importância para reparar situações que não foram concluídas em razão de uma conduta externa, que impossibilitou que a vítima atingisse o resultado esperado.
A maior dificuldade em torno dessa teoria diz respeito à incerteza do resultado almejado pela vítima e que possuía chances sérias e reais de ser alcançado se não fosse o ato ilícito praticado. Não se pode perder de vista que, na teoria da perda de uma chance, as probabilidades de a vítima alcançar o resultado desejado é que devem ser valoradas a fim de ensejar a responsabilidade do causador do dano, ou seja, o que se indeniza é a própria chance perdida e não o dano final.
Outra discussão que emerge dessa teoria diz respeito à sua natureza jurídica. Há quem defenda a perda de uma chance como dano emergente, pois, assim, o problema acerca da certeza do dano estaria resolvido. Por outro lado, há quem a enquadre como lucros cessantes, sob o argumento de que a vítima deixou de lucrar o resultado esperado. Todavia, como já decidido pelo STJ, tem-se que a perda de uma chance é um dano autônomo, e, portanto, deverá ser enquadrado como uma terceira modalidade de danos patrimoniais. A perda de uma chance poderá ensejar, ainda, a indenização por danos morais diante da frustração da expectativa de se obter determinada vantagem.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. Coleção direito civil; v. 4, p. 1. ↩︎
- GONDIM, Glenda Gonçalves. A reparação civil na teoria da perda de uma chance/ Glenda Gondim; orientador: Eroulths Cortiano Junior. – Curitiba, 2010, p. 9. ↩︎
- SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007. ↩︎
- GONDIM, Glenda Gonçalves. Responsabilidade Civil: Teoria da Perda de Uma Chance. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. ano 94. v. 840, p. 21/22. ↩︎
- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 75. ↩︎
- SILVA, Rafael Peteffi. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2007, p. 13. ↩︎
- http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=99879 ↩︎
- NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações: introdução à responsabilidade civil: volume 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 670 e 672. ↩︎
- REsp n. 1.291.247/RJ, relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 19/8/2014, DJe de 1/10/2014. ↩︎
- SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009, p. 65- 66 ↩︎
- MELO, Raimundo Simão de. Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano moral, dano estético, perda de uma chance. 2. ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 334. ↩︎
- GONDIM, Glenda Gonçalves. A reparação civil na teoria da perda de uma chance/ Glenda Gondim; orientador: Eroulths Cortiano Junior. – Curitiba, 2010, p. 78. ↩︎
- SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007, p. 196. ↩︎
- SAVI, Sérgio. Responsabilidade Civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009, p. 57. ↩︎
- SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2009, p.102. ↩︎
- REsp n. 1.540.153/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/4/2018, DJe de 6/6/2018. ↩︎