A relativização da impenhorabilidade no processo de execução  

28 de janeiro de 2024

Aspectos Gerais do Processo de Execução  

A existência de um conflito muitas vezes necessita da intervenção do Poder Judiciário para a sua resolução, sendo necessário o pronunciamento judicial definitivo para a sua conclusão. Ocorre que há determinadas situações em que a satisfação dependerá de uma atitude do devedor para adimpli-la. 

Assim, para que o denominado Estado-juiz possa satisfazer o direito do credor, dando início à fase de execução, este deverá estar munido de um título executivo. 

O Código de Processo Civil estabelece que a execução civil dar-se-á de duas maneiras: (i) cumprimento de sentença, tratado no Livro I da Parte Especial do referido Código e (ii) processo de execução, abordado no Livro II da Parte Especial. 

Neste toar, vale esclarecer as seguintes distinções: “processo de execução” constitui um processo autônomo fundado em título extrajudicial, ou seja, o credor possui um dos títulos elencados no artigo 784 do Código de Processo Civil, sendo dotado de certeza, liquidez e exigibilidade, o que dispensa o processo de conhecimento, razão pela qual a sua finalidade não é buscar a tutela jurisdicional para reconhecer ou não o direito daquele título, e sim tão somente o seu adimplemento. 

Já o “cumprimento de sentença” cuida-se de uma fase subsequente do processo de conhecimento, fundado de título judicial, elencado no art. 515 do Código de Processo Civil, já precedido de um pronunciamento judicial que reconheceu determinado direito.  

Em que pese tais diferenciações, as duas formas possuem objetivos semelhantes, a busca pela satisfação do direito do credor, e tanto uma como a outra podem resultar em atos constritivos. 

Na execução direta, o juiz utilizará de todos os poderes conferidos legalmente para buscar a satisfação do direito independente da anuência do devedor (por exemplo, penhora ou apreensão dos bens). Já na execução indireta, o juiz utiliza medidas que visam a coagir o devedor a cumprir a obrigação (por exemplo, a aplicação de astreintes nos casos de obrigação de caráter personalíssimo ou prisão civil no caso de devedor de alimentos). 

Assim, cabe ao juiz durante o processo executivo determinar medidas que visem a buscar a satisfação do direito do credor, caso este não cumpra voluntariamente a sua obrigação. 

Diante desta situação, o Código de Processo Civil trouxe uma inovação no artigo 139, inciso IV: 

Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:  
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;1

Diante de tal mandamento, o juiz está legalmente munido de subsídios que visam dar uma maior efetividade ao feito executivo, determinando medidas que sejam suficientes e capazes além das que já estão pré-determinadas na lei (medidas típicas), as também as chamadas de medidas executórias atípicas. 

Majoritariamente, a doutrina entende que tais medidas atípicas só deverão ser aplicadas em caráter subsidiário, ou seja, apenas quando os meios já estabelecidos em lei não forem suficientes para forçar o devedor. 

Princípios do processo de execução relevantes quanto à impenhorabilidade  

O ordenamento jurídico brasileiro é composto de diversas regras e normas que muitas vezes causam conflitos na aplicabilidade em determinado caso concreto, sendo que os princípios são norteadores capazes de auxiliar na busca do provimento jurisdicional esperado pelas partes. 

De um lado, em prol do credor, o princípio da efetividade é o que assegura o direito à satisfação do crédito, pois não adianta obter o reconhecimento do direito e não conseguir satisfazê-lo. Este princípio garante meios hábeis e eficazes para que o objetivo central da execução seja efetivamente reconhecido, a exemplo dos poderes especiais do juiz estabelecidos em lei. 

Por sua vez, o devedor possui garantias na fase executiva, que objetivam a sua proteção, como os princípios da menor onerosidade, da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana, e, nesse contexto, situam-se as regras sobre impenhorabilidade de certos bens. 

O desafio é encontrar o ponto de equilíbrio entre a necessidade de satisfação do credor e a dignidade do devedor, sendo que os princípios desempenham grande papel nessa ponderação. 

Bens sujeitos à Execução 

A responsabilidade patrimonial consiste na responsabilidade do devedor responder com seu patrimônio para satisfação da obrigação anteriormente contraída. 

O próprio artigo 789 do Código de Processo Civil estabelece a responsabilidade de forma geral, ou seja, afirma que todos os bens do devedor, ou de quem tenha responsabilidade, responderão no adimplemento das obrigações.2

Essa afirmação deve ser analisada com cuidado, pois a regra geral de que todos os bens que possuem valor econômico do patrimônio do devedor responderão pelas suas dívidas, todavia, tem inúmeras exceções, como por exemplo o artigo 833 do Código de Processo Civil, que aborda os bens impenhoráveis. 

Portanto, havendo bens ou patrimônio do devedor ou responsável que são passíveis de penhora, bem como a falta de pagamento voluntário da dívida, poderão recair sobre o patrimônio do devedor atos constritivos que visam ao cumprimento da obrigação. 

A penhora é o ato inicial e preparatório do processo de expropriação, que se baseia na adjudicação do bem, definida como a sua transferência da esfera do patrimônio do devedor para o patrimônio do credor, e a alienação, meio pelo qual o credor consegue converter o bem em dinheiro em espécie, assegurando a satisfação da obrigação. 

O Código de Processo Civil, no artigo 8353, estabelece a ordem preferencial sobre os bens que deverão recair a penhora. Ressalta-se que a ordem estabelecida no artigo anteriormente citado não tem caráter absoluto, ou seja, a depender do caso concreto, o juiz poderá alterar a ordem dos bens, conforme Súmula 417 do Superior Tribunal de Justiça, “na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto”. 

A impenhorabilidade dos bens no Código de Processo Civil 

Inicialmente, cumpre esclarecer que apenas os bens de valor pecuniário podem ser objeto de atos constritivos.  Logo, qualquer bem que não tenha valor pecuniário, ou que tenha valor, mas lei dispuser ao contrário acerca da possibilidade de recair atos constritivos sobre ele, são chamados de bens impenhoráveis. 

O artigo 833 do Código de Processo Civil dedica-se a expor os bens chamados impenhoráveis, ou seja, na hipótese da falta de cumprimento voluntário da satisfação da obrigação, o juiz não poderá determinar a expropriação dos bens do devedor descritos no artigo em comento. 

Neste sentido, em que pese o disposto no artigo 789 do Código de Processo Civil, em algumas situações especiais, não obstante o bem seja patrimônio do devedor, sobre este não poderão recair atos constritivos, como por exemplo a penhora. 

O legislador se preocupou principalmente com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e patrimônio mínimo, como acentua Daniel Amorim Assumpção Neves: 

É indubitável que as regras de impenhorabilidade de determinados bens têm estreita ligação com a atual preocupação do legislador em criar freios à busca sem limites da satisfação do exequente na execução, mantendo-se a mínima humana do executado. Nem sempre, entretanto, foi assim. No direito romano a execução era extremamente violenta, permitindo-se a privação corporal e até mesmo a morte do devedor. A famosa Lei das XII Tábuas choca ao estabelecer que terminadas condições seria possível “dividir o corpo do devedor em tantos quantos sejam os credores.4

Acerca da natureza jurídica da impenhorabilidade, deve considerada de ordem pública, conforme posicionamento de Candido Rangel Dinamarco. Não obstante, pode ser objeto de renúncia pelo executado se o bem impenhorável for disponível.5

Assim sendo, por ser matéria de ordem pública, poderá ser conhecida de ofício pelo juiz a qualquer grau de jurisdição, e se este não fizer, as partes poderão alegar nos autos através de simples petição. 

O Código de Processo Civil trouxe no artigo 833 os bens que são considerados impenhoráveis, ou seja, os bens que não poderão responder pela satisfação da obrigação, os quais são: 

I. Os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; 

II. Os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; 

III. Os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; 

IV. Os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º; 

V. Os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício da profissão do executado; 

VI. O seguro de vida; 

VII. Os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; 

VIII. A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; 

IX. Os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; 

X. A quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos; 

XI. Os recursos públicos do fundo partidário recebidos por partido político, nos termos da lei; 

XII. Os créditos oriundos de alienação de unidades imobiliárias, sob regime de incorporação imobiliária, vinculados à execução da obra. 

Classificação das impenhorabilidades: Absoluta e Relativa 

Outra importante distinção que se faz principalmente na doutrina diz respeito à classificação das impenhorabilidades em absoluta ou relativa. 

O primeiro entrave é a prolixidade de algumas normas processuais quanto ao tema, tendo em vista que muitos artigos são vagos e imprecisos, abrindo espaço para interpretações ambíguas. 

O credor busca uma tutela jurisdicional no sentido de reconhecer o seu direito, o que consecutivamente gerará um ônus ao devedor, e caso este não cumpra voluntariamente a sua obrigação, o credor espera uma atitude eficaz e ativa do Poder Judiciário. 

Visando à satisfação da obrigação, o juiz poderá determinar medidas constritivas em relação ao patrimônio do devedor. A regra geral é que este responda com todos os seus bens. 

Todavia, tais medidas constritivas possuem limites, inclusive em razão dos princípios que regem a execução, como o patrimônio mínimo e o princípio constitucional da dignidade humana. A aplicação prática dos princípios em prol do devedor pode ser verificada no rol de bens impenhoráveis insculpido no Código de Processo Civil e em leis especiais, como a Lei do Bem de Família. 

Contudo, alguns dispositivos legais e a jurisprudência trazem entendimento diferenciado a respeito da impenhorabilidade de alguns bens e do patrimônio, relativizando as regras para que o credor possa alcançar o seu objetivo principal na execução, a satisfação do seu direito. 

A imprecisão da lei em alguns casos beneficia o devedor que muitas vezes não pode ter o seu patrimônio afetado, e, em razão disso, a jurisprudência vem trazendo alguns precedentes importantes em relação à relativização da impenhorabilidade. 

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil algumas mudanças a respeito da impenhorabilidade foram realizadas se comparado ao código anterior. Uma das principais mudanças é a exclusão da palavra “absoluta” do caput do artigo 833, abrindo possibilidade, a depender do caso, da relativização da impenhorabilidade, conforme Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição de Medeiros, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogerio Licastro Torres de Mello explicam: 

O art. 833 do CPC/2015 guarda semelhança com o art. 649 do CPC/1973 no sentido de que ambos regulam a impenhorabilidade de bens. Ha, contudo, alterações significativas. Primeiramente, foi excluído o adjetivo “absoluta” da impenhorabilidade regulada pelo dispositivo, com o objetivo de deixar claro que a proteção aos bens indicados nos incisos não é absoluta, já que, nos casos previstos nos parágrafos, e possível a (excepcional) constrição patrimonial.6

Percebe-se que o Código de Processo Civil trouxe uma nova perspectiva sobre o tema, atribuindo inclusive poderes especiais ao juiz, visando a satisfação do crédito, e os Tribunais Superiores têm se posicionado a favor em algumas questões que serão analisadas pela relativização da impenhorabilidade. 

Relativização da impenhorabilidade das verbas salariais e depósitos em caderneta de poupança 

O Código de Processo Civil, no artigo 833, inciso IV, resguarda as verbas de natureza remuneratória do devedor, dentre elas: os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. 

E, no inciso V, protege os valores de até quarenta salários-mínimos depositado em caderneta de poupança, ou outros tipos de investimentos da mesma natureza. 

O principal argumento para a impenhorabilidade é a relevância dessas verbas para sustendo do devedor e da sua família, garantindo assim a dignidade da pessoa humana. 

Entretanto, o parágrafo segundo do artigo 833 estabelece que “O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º.” 

A própria lei relativiza a impenhorabilidade em duas situações: (i) das verbas salariais e depósitos em poupança para pagamentos de prestação alimentícia independente da sua natureza; e (ii) importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais. 

Quanto ao pagamento de prestação alimentícia, esta poderá decorrer tanto da relação de parentesco como decorrente de ato ilícito, e a relativização à regra de impenhorabilidade ocorrerá independente da sua origem. 

Outro ponto que merece destaque diz respeito à relativização da impenhorabilidade das verbas salariais de dívidas não alimentares.  

Recentemente, ao julgar o EREsp 1.874.222/DF, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu pela relativização da impenhorabilidade de verbas salariais em dívida não alimentares, desde que seja preservado valor que assegure dignamente a subsistência do devedor e da sua família e que as outras medidas típicas definidas por lei tenham sida exauridas.  

Essa decisão é altamente benéfica sob o prisma do princípio da efetividade.  

A título de exemplo, nota-se que este posicionamento vem sendo aplicado atualmente na jurisprudência pela Corte Especial.  

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA, DE PLANO, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA RECURSAL DA PARTE AGRAVADA. 

1. Esta Corte possui entendimento no sentido da possibilidade de relativização da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívidas de natureza não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado montante que assegure sua subsistência digna e de sua família.” (EREsp n. 1.874.222/DF, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 19/4/2023, DJe de 24/5/2023.). 

2. Nesse contexto, verifica-se ser possível a penhora de verbas de natureza salarial, para pagamento de dívidas de natureza não alimentar, desde que preservado montante que assegure sua subsistência digna e de sua família, quando restarem inviabilizados outros meios executórios que possam garantir a efetividade da execução, devendo os autos retornarem ao Tribunal de origem para verificação do impacto da pretendida penhora, no caso concreto. 

3. Agravo interno desprovido.7

Quanto à extensão da impenhorabilidade para valores depositados em conta corrente ou fundos de investimentos até o limite de 40 salários-mínimos, há Tribunais que aplicam a interpretação ampliativa, possibilitando a relativização da regra também nessas situações:  

Agravo de Instrumento. Tutela cautelar antecedente. Decisão que indeferiu o pedido de desbloqueio de valores. Insurgência do réu. Não acolhimento. Não se ignoram precedentes que dão interpretação ampliativa à regra da impenhorabilidade do inciso X do art. 833 do CPC, de modo a tornar irrelevante que o numerário tenha ou não sido bloqueado em conta-poupança, conta-corrente ou em investimento com resgate automático. Possibilidade de relativização de regra da impenhorabilidade prevista no art. 833 do CPC/15. Agravante não comprovou que a constrição tenha recaído sobre salário. Extratos que demonstração de movimentação financeira anteriores ao bloqueio. Decisão mantida. Recurso não provido.8

Outra questão de grande repercussão é a possibilidade de penhorabilidade do saldo remanescente das verbas de natureza salarial e aposentadoria não utilizadas pelo devedor a partir do momento em que recebe o salário do próximo mês. 

Fredie Didier Jr., Leonardo Carneiro da Cunha, Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira entendem pela precariedade de tais rendimentos: 

A impenhorabilidade dos rendimentos de natureza alimentar é precária: remanesce apenas durante o período de remuneração do executado. Se a renda for mensal, a impenhorabilidade dura um mês: vencido o mês e recebido novo salário, a “sobra” do mês anterior perde a natureza alimentar, transformando-se em investimento.9

Sobre este ponto, os Tribunais vêm aplicando este entendimento, ou seja, o remanescente de tais verbas perde a natureza alimentar, possibilitando a penhora de tais quantias: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Cumprimento de sentença. Penhora de valor em conta bancária do agravante, em montante inferior ao limite legal e de natureza salarial. Possibilidade de se flexibilizar a regra de impenhorabilidade no caso concreto. Razões do recurso que demonstram ausência de prejuízo efetivo e concreto ao seu sustento. Impenhorabilidade não constatada. Constrição sobre sobras dos meses anteriores que não constituem reserva econômica, com complemento de vultosa quantia a título de aposentadoria cujo uso para subsistência não restou comprovado. Restituição de IR não abarcada pela proteção legal, notadamente quando não comprovada origem salarial e porque não se destina à sobrevivência do devedor. Mera indicação do valor total bloqueado e da respectiva origem que não constitui fundamento suficiente para a liberação. Decisão mantida. Recurso desprovido. 10
 

Relativização da impenhorabilidade quanto ao bem de família 

A Lei n.° 8.009/90 cuida do bem de família, cujo principal objetivo é a proteção do patrimônio do devedor e da sua família, e estabelece a sua impenhorabilidade com a finalidade de proteger a dignidade da pessoa humana. 

Cumpre esclarecer que a lei visa proteger os bens considerados imprescindíveis para a sobrevivência do devedor e da sua família, o mínimo existencial, excluindo qualquer tipo de luxo ou vantagem a ser obtida pelo devedor. Nas palavras de Bruno Garcia Redondo: 

A Lei nº 8.009/90 consagra a impenhorabilidade do bem de residência, e não apenas do “bem de família”, ao contrário do que sugere a terminologia legal. Afinal, a proteção não é restrita apenas ao imóvel (e aos móveis correspondentes a um médio padrão de vida) onde resida uma “família” (sticto sensu), mas estende-se a todo aquele que sirva de residência para algum indivíduo.11

Contudo, o artigo 3º trata das hipóteses em que se possibilita a penhora do bem de família, ou seja, as hipóteses de relativização da impenhorabilidade.

Mas não é só, o Código de Processo Civil também dispõe acerca da possibilidade de relativização do bem de família no artigo 833, § 1°, conforme brevemente explicado por Humberto Dalla Bernardina de Pinho: 

O devedor não pode arguir a impenhorabilidade de um bem em execução de dívida relativa ao próprio bem (art. 833, § 1º). Essa dívida tanto pode ser oriunda de crédito concedido para a aquisição do bem ou de débitos relativos a ele. Podem ser, como se nota em doutrina, obrigações relacionadas à coisa ou que a acompanhem (propter rem).

A impenhorabilidade atinge tanto as dívidas do próprio bem (propter rem) como as despesas condominiais e impostos incidentes sobre o bem, como também aquelas dívidas contraídas para a aquisição deste, a exemplo do financiamento imobiliário com alienação fiduciária. 

Assim, diante do não pagamento das obrigações relacionadas ao próprio bem ou na falta do pagamento das obrigações realizadas visando à sua aquisição, o credor poderá iniciar a execução, e na falta de outros bens para satisfazer a dívida, o bem de família poderá ser penhorado e o executado não terá direito de alegar a sua impenhorabilidade. 12

Contudo, o artigo 3º trata das hipóteses em que se possibilita a penhora do bem de família, ou seja, as hipóteses de relativização da impenhorabilidade.

Mas não é só, o Código de Processo Civil também dispõe acerca da possibilidade de relativização do bem de família no artigo 833, § 1°, conforme brevemente explicado por Humberto Dalla Bernardina de Pinho:

O devedor não pode arguir a impenhorabilidade de um bem em execução de dívida relativa ao próprio bem (art. 833, § 1º). Essa dívida tanto pode ser oriunda de crédito concedido para a aquisição do bem ou de débitos relativos a ele. Podem ser, como se nota em doutrina, obrigações relacionadas à coisa ou que a acompanhem (propter rem).13

A impenhorabilidade atinge tanto as dívidas do próprio bem (propter rem) como as despesas condominiais e impostos incidentes sobre o bem, como também aquelas dívidas contraídas para a aquisição deste, a exemplo do financiamento imobiliário com alienação fiduciária.

Assim, diante do não pagamento das obrigações relacionadas ao próprio bem ou na falta do pagamento das obrigações realizadas visando à sua aquisição, o credor poderá iniciar a execução, e na falta de outros bens para satisfazer a dívida, o bem de família poderá ser penhorado e o executado não terá direito de alegar a sua impenhorabilidade.

Como visto, a lei estabelece acerca das possibilidades de impenhorabilidade, entretanto esta não será aplicada em sua literalidade a depender do caso concreto e a sua relativização será necessária.

Inicialmente o que deve ser tutelado são as necessidades básicas do devedor e sua família, logo qualquer bem acima da necessidade do homem médio merece ser analisado a fim de observar a possibilidade de penhora parcial.

Diante deste entendimento, há defensores que se posicionam no sentido que não havendo outros bens passíveis de penhora, e caso o devedor possua um bem de família de vultoso valor, este poderá ser penhorado, em prol do princípio da efetividade.

Neste caso haveria a penhora parcial do bem, e o valor arrecado na sua expropriação, o devedor poderia adquirir outro imóvel de menor valor, desde que preservasse a sua dignidade e de sua família.

Logo, independente do posicionamento acerca do tema, parece que a medida mais razoável a ser aplicada no caso concreto é em consonância com o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, inclusive sopesando os princípios da dignidade humana e da efetividade.

Conclusão

O objetivo da execução civil é entregar o que o credor tem direito. O jurisdicionado não se satisfaz apenas com o reconhecimento do seu direito, é necessário que a execução seja capaz de propiciar mecanismos que sejam capazes de fornecer com exatidão o direito reconhecido.

Após o processo de conhecimento, inicia-se o cumprimento de sentença, quando fundado em título executivo judicial, ou com o processo de execução, quando baseado em título executivo extrajudicial.

Acerca dos princípios que regem a execução civil, o princípio da efetividade pode ser considerado um dos mais relevantes, tendo em vista que, em suma, objetiva resguardar o direito do credor a satisfação do seu direito.

Todavia, este princípio não pode ser interpretado de forma isolada, isto é, não se pode buscar a satisfação do direito do credor de uma forma desenfreada, tortuosa, não respeitando garantias mínimas que garantam sua subsistência e dignidade.

Para isto existem princípios que protegem o devedor, como o da menor onerosidade, garantindo que os atos expropriatórios ocorrerão da forma menos gravosa, mantendo uma vida digna do devedor e da sua família.

De fato, o patrimônio do devedor está sujeito à expropriação, entretanto a lei exclui alguns bens da possibilidade de serem penhorados, tornando-os impenhoráveis.

Como explanado, naturalmente haverá um conflito de princípios e o que não se pode permitir é que o executado utilize de mecanismo de má-fé para escusar-se do pagamento da sua obrigação.

Caso tenham sido realizadas todas as diligências necessárias com resultado infrutífero, o juiz poderá relativizar a impenhorabilidade com fundamento no princípio da efetividade.

Partindo de um panorama mais específico, foram analisadas as exceções que a própria lei estabelece e casos em que a jurisprudência tem paulatinamente estabelecido precedentes que autorizam a relativização da impenhorabilidade a fim de dar efetividade ao processo de execução.


Referências

ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa [et el]. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2 ed. São Paulo: Ed. RT,  

DIDIER JR., Fredie [et. el.]. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 4. 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed. Salvador: JusPodivm, 2017. 

GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: RT, 2003. 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3º ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. 

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. 

REDONDO, Bruno Garcia. A (im)penhorabilidade da remuneração do executado e do imóvel residencial à luz dos princípios constitucionais e processuais. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Bruno%20Garcia%20Redondo%20-formatado.pdf Acesso em 07 FEV 2020. 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. São Paulo: Método, 2017, v.3. 

  1. Acerca desta inovação legislativa, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Crus Arenhart e Daniel Mitidiero explicam: “O art.139, IV, CPC, explicita os poderes de imperium conferidos ao juiz para concretizar suas ordens. A regra se destina tanto a ordens instrumentais (aquelas dadas pelo juiz no curso do processo, para permitir a decisão final, a exemplo das ordens instrutórias no processo de conhecimento, ou das ordens exibitórias na execução) como a ordens finais (consistentes nas técnicas empregadas para a tutela da pretensão ‘material deduzida).” [MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3º ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017 p. 284] ↩︎
  2. A falta de clareza do artigo 789 do Código de Processo Civil é objeto de crítica por Daniel Amorim Assumpção Neves: “O art. 789 do Novo CPC tenta fixar, com redação rica em dubiedade e pobre em clareza, quais os bens que respondem dentro do patrimônio do responsável pela satisfação da dívida. O primeiro equívoco do dispositivo legal é indicar que os bens do devedor respondem, quando na realidade são os bens do responsável patrimonial que respondem pela satisfação da dívida. O problema maior, entretanto, é ausência de indicação clara do momento presente, única forma de determinar quais são os bens passados e futuros” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1133) ↩︎
  3. Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV – veículos de via terrestre; V – bens imóveis; VI – bens móveis em geral; VII – semoventes; VIII – navios e aeronaves; IX – ações e quotas de sociedades simples e empresárias; X – percentual do faturamento de empresa devedora; XI – pedras e metais preciosos; XII – direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII – outros direitos.
     “O patrimônio é, outrossim, composto apenas de bens de valor pecuniário. Não o integram aqueles bens ou valores sem significado econômico, como a honra, a vida, o nome, o pátrio poder, a liberdade e outros bens jurídicos de igual natureza.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. São Paulo: Método, 2017, v.3, p. 406.) ↩︎
  4. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 9 ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 1134. ↩︎
  5. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Malheiros, 2004, v. 4,
    p. 341.
    ↩︎
  6. ARRUDA ALVIM WAMBIER, Teresa [et el]. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2 ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 1864/1865 ↩︎
  7. AgInt no AREsp n. 2.280.044/RJ, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 30/10/2023, DJe de 3/11/2023.) ↩︎
  8. TJSP; Agravo de Instrumento 2165916-52.2023.8.26.0000; Relator (a): Maria de Lourdes Lopez Gil; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional X – Ipiranga – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 04/12/2023; Data de Registro: 04/12/2023. ↩︎
  9. DIDIER JR., Fredie [et. el.]. Curso de direito processual civil: execução. 7. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017. p. 819. ↩︎
  10. TJSP;  Agravo de Instrumento 2214140-21.2023.8.26.0000; Relator (a): Milton Carvalho; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro de Peruíbe – 1ª Vara; Data do Julgamento: 25/08/2023; Data de Registro: 25/08/2023. ↩︎
  11. REDONDO, Bruno Garcia. A (im)penhorabilidade da remuneração do executado e do imóvel residencial à luz dos princípios constitucionais e processuais. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/Bruno%20Garcia%20Redondo%20-formatado.pdf Acesso em 07 FEV 2020. ↩︎
  12. Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,
    trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:  I – Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015; II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015); IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
    ↩︎
  13. PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de Direito Processual Civil Contemporâneo. 2. ed. São
    Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1280.
    ↩︎

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