Aspectos do Drex e dos possíveis contratos inteligentes com o Real Digital 

28 de dezembro de 2023

No Brasil, em especial nos últimos 10 anos, ocorreu um incremento significativo do uso dos meios digitais de pagamentos que tornaram-se muito populares em todo o país. 

É comum perceber que as transações financeiras utilizando cédulas ou moedas têm sido cada vez menores, pois está-se sempre às voltas com as “maquininhas” de cartão de crédito e débito, utilizando o “pix”, passando por praças de pedágio com uma “tag” de cobrança automática, entre outros serviços.  

Essa impressão extraída da observação diária está representada em números, conforme apurado pelo Banco Central do Brasil com dados relativos ao ano de 2022, que demonstram a evolução dos meios digitais para realização de transações financeiras1 e do fenômeno da desmaterialização da moeda2 .  

Do mesmo modo, a desmaterialização também está relacionada ao crescimento da participação dos brasileiros, em especial das pessoas físicas, no mercado de investimentos em ativos financeiros diversos tais como títulos públicos, ações cotadas em bolsa de valores, cotas de fundos de investimento, fundos imobiliários, entre outros.  

Nesse caminho, note-se que a B3 apurou que entre 2018 e o final do ano de 2022 houve um aumento de 700% do número de investidores pessoa física3, que reforça a noção de que qualquer implementação de política relacionada à moeda, investimento e novos usos do dinheiro são vistas com muita atenção pelo mercado.  

Esse crescimento se deu tanto por influência do martketing das plataformas digitais oferecidas pelas instituições financeiras, fintechs e corretoras, que estão ampliando e democratizando o acesso a inúmeros ativos financeiros, quanto das oscilações da economia brasileira que orientam as decisões individuais.  

Esse cenário de oscilações tem contribuído para uma demanda cada vez maior de conhecimento e de atenção às diversas maneiras de proteger patrimônio diante das crises políticas e econômicas que aceleram a inflação e justificam o aumento das taxas de juros como política monetária, afetando, por sua vez, as decisões de consumo e investimento4.  

Paralelamente, temos observado o avanço do uso de moedas digitais descentralizadas, as criptomoedas, cujos principais exemplos são o Bitcoin e o Ether, token de criptomoeda da rede Ethereum, especialmente por possuírem atributos que ultrapassam o mero uso desses ativos como moeda de troca que não precisam, geralmente, de um intermediário financeiro.  

O Bitcoin, basicamente, é um sistema de transferência de valor com suporte numa tecnologia de validação de transações descentralizada chamada Blockchain. Com a Blockchain, todas as transações são registradas em blocos imutáveis de informação que são conferidas a cada nova transação, e, havendo incompatibilidade entre o novo dado e o histórico registrado blocos anteriores, esse novo dado é rejeitado automaticamente.   

O protocolo Ethereum, por sua vez, possui um código aberto que possibilita a criação de aplicativos e de serviços que vão além das transações financeiras utilizando-se a mesma tecnologia de validação, a Blockchain, bem como a técnica dos contratos inteligentes, que consistem em programações que executam regras pré-estabelecidas de forma automática5

Essas regras pré-estabelecidas podem ser condições criadas pelas partes interessadas para diminuir os riscos de diversos negócios, cujas aplicações podem ser simples envolvendo, por exemplo, relações de consumo de bens de baixo valor até transações mais complexas entre empresas situadas em diferentes países. 

Todavia, o que nos interessa nesse diálogo com os conceitos e atributos mais comuns das criptomoedas é que a tecnologia Blockchain e dos contratos inteligentes têm despertado interesse dos bancos centrais e estão fomentando a criação de moedas digitais próprias e interoperáveis para facilitação de negócios, transações, câmbio e trocas entre os participantes de forma segura e regulada.   

O Real Digital:  Características e Potencialidades 

Nesse passo, autoridades monetárias de diversos países estão discutindo e desenvolvendo projetos digitais CBDC (central bank digital currency).  

Os bancos centrais se depararam com a necessidade de discutir e desenvolver mecanismos inteligentes que utilizem tecnologias como Blockchain e Smart Contracts, com a perspectiva de oferecer novos serviços e aperfeiçoar transações já conhecidas do público, porém de forma centralizada e com os parâmetros de controle próprios das autoridades monetárias, sem prejuízo dos mecanismos de segurança disponíveis no mercado financeiro nacional e internacional. 

No Brasil, o BACEN está envolvido desde a publicação da Portaria nº 108.092 de 2020 no projeto de criação do Real Digital, uma modalidade de CBDC (central bank digital currency), moeda digital de banco central que pode ser implementada até o final do ano de 2024, segundo expectativas da autarquia.  

A Portaria instituiu um grupo de trabalho para realizar estudos sobre a emissão de moeda digital pelo Banco Central e em maio de 2021 foram divulgadas as diretrizes do real digital, que em 2023 foram atualizadas e que ressaltam justamente os principais aspectos e finalidades da moeda, como ênfase no desenvolvimento de modelos inovadores como contratos inteligentes, dinheiro programável e liquidação de operações por meio da “internet das coisas”, desenvolvimento de aplicações online e possibilidade de pagamentos offline, distribuição intermediada por integrantes do sistema financeiro e de pagamentos, prevenir assimetrias regulatórias entre o sistema tradicional e o real digital, garantia da segurança jurídica em suas operações, aderência a todos os princípios e regras de privacidade e segurança, em especial a proteção de dados pessoais e sigilo bancários, assim como prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento ao terrorismo e ao financiamento da proliferação de armas de destruição em massa, necessidade de interoperabilidade entre sistemas domésticos e transfronteiriços e adoção de padrões de resiliência e segurança cibernética aplicáveis a infraestruturas críticas do mercado financeiro.  

Nota-se, nessas diretrizes, a atenção do projeto à legislação internacional que visa garantir segurança nas operações financeiras, permitindo a fiscalização das trocas de ativos financeiros, em especial com foco na prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo, combate à corrupção, respeitada a reserva legal do direito ao sigilo bancário previsto na Lei Complementar nº 105.  

O nome Drex surgiu no curso evolutivo do projeto do Real Digital e representa os seus elementos principais, sendo o D de ‘Digital’, R de ‘Real’, referência à moeda fiduciária brasileira, E de ‘eletrônico’ e X de conectividade.  

O Drex não será uma mera representação da moeda em formato digital, um simples token do real, pois a ideia é que seja um ativo digital aplicável a trocas seguras e rápidas com funcionalidades que vão além da mera transferência de valores entre as partes envolvidas. 

O principal aspecto do Drex, como visto, é a sua aplicabilidade em contratos inteligentes.  

Tomando-se a facilitação da verificação de condições, tem-se, por exemplo, a possibilidade de ampliação e aperfeiçoamento do acesso ao crédito, especialmente considerando-se a assimetria de informação entre as instituições financeiras e os tomadores de crédito no mercado.  

Isso porque o crédito oferecido por instituições financeiras normalmente é calculado com base em elementos objetivos, condições ou vinculações ao uso do valor contratado, e, sendo o contrato inteligente um modo de verificação segura e rápida de condições que podem ser programadas de antemão, tais como valor de entrada disponível no ato, histórico de crédito, amostra de patrimônio, oferecimento e conferência de garantia, pode haver uma redução no custo operacional se o Drex se mostrar eficiente ao ser implementado.  

O Banco Central estima, ainda, que aliando-se o Drex ao Open Finance, em que o interessado pode compartilhar dados específicos que precisam ser validados para a concessão de crédito, a viabilidade dessa contratação pode ser mais previsível.  

Entre os principais casos de uso previsíveis está a aquisição ou transferência de bens como os automóveis, inclusive por meio de financiamento, conectando-se diretamente instituições financeiras, consumidores e autoridades de trânsito que promovem o registro de veículos que podem ser tokenizados para facilitação das transações de compra e venda.  

Há também a facilitação das operações de câmbio, por sua vez, que decorre da interoperabilidade da CBDC, que pode ser trocada facilmente por outras do mesmo gênero, assim como outros ativos de gêneros distintos. 

A expectativa é que os testes sejam finalizados no primeiro semestre de 2025, em especial no tocante à garantia da privacidade nas transações paralelamente à intensificação dos testes dos casos de uso dos contratos inteligentes.  


Referências

GREMAUD, Amaury Patrick; VASCONCELLOS, Marco Antonio Sandoval; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Economia Brasileira Contemporânea. São Paulo: Atlas, 2011. 

OLIVEIRA, Marcos Cavalcante de. Moeda, juros e instituições financeiras – regime jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2009.  

TEIXEIRA, Tarcisio; Rodrigues, Carlos Alexandre. Blockchain e criptomoedas: aspectos jurídicos. 4. ed. ver. e atual. São Paulo: Editora Juspodivm, 2023.

  1. https://www.bcb.gov.br/content/publicacoes/boxe_relatorio_de_economia_bancaria/reb2022b7p.pdf ↩︎
  2. OLIVEIRA, Marcos Cavalcante de. Moeda, juros e instituições financeiras – regime jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 139. ↩︎

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