Em um mundo com crescentes e velozes inovações tecnológicas, surgiu no direito contemporâneo uma tendência: a utilização de legal design e visual law como instrumentos de facilitação no acesso à justiça. Isso porque o linguajar jurídico é comumente caracterizado com o excesso de formalismo, uso exacerbado de expressões em latim e utilização de parágrafos muito extensos, que podem vir a dificultar a interpretação do texto e afastar as pessoas da área do Direito.
A preocupação do legislador em tornar o conteúdo das normas recentes mais acessíveis ao público em geral é perceptível a partir da leitura da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais)1 e Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor)2, por exemplo. Mas o legal design e o visual law vieram com o escopo de democratizar ainda mais essa proposta de acessibilidade, indo além dos elementos textuais.
Esses termos têm origem na Universidade de Stanford a partir dos estudos da professora Margaret Hagan, que é docente na Stanford Law School e no Stanford Institute of Design e diretora executiva do Legal Design Lab (maior polo de legal design do mundo e que é formado por uma equipe multidisciplinar), cuja missão assim se apresenta através do Diagrama de Venn:

Em tradução livre, a imagem acima menciona “DESENHO para fazer coisas que as pessoas podem e querem usar; TECNOLOGIA para aumentar a efetividade das ações das pessoas e LEI para promover uma sociedade justa e empoderar pessoas”. É perceptível, portanto, o enfoque do ser humano em seu propósito.
É possível conceituar o legal design como a aplicação do desenho (através de elementos como imagens, diagramas, gráficos e até mesmo história em quadrinhos) centrado no ser humano e envolvendo o mundo do direito, visando à existência de serviços legais mais satisfatórios. Há aqui a inclusão de métodos específicos do design na criação e verificação da eficácia das ferramentas visuais.
O visual law, por sua vez, seria uma subárea do legal design que utiliza os elementos visuais para tornar o Direito mais simples e compreensível através do desenho, mas sem pensar no processo como um todo ou na experiência do usuário. Apesar de ambos os conceitos muitas vezes serem confundidos e tratados como sinônimos, o legal design é considerado mais abrangente.
E ainda que o surgimento dessas áreas de estudo tenha ocorrido fora do Brasil, há diversas evidências que demonstram que se trata de tendências que vieram para ficar. Tanto é assim que a Resolução nº 347/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a política de governança das contratações públicas no Poder Judiciário, estimula o uso de recursos da visual law:
Art. 32. Compete aos órgãos do Poder Judiciário elaborar o Plano Estratégico de Comunicação para implementação dos ditames desta Resolução, que assegure, além do disposto na Resolução CNJ no 85/2009, os seguintes objetivos:
IV – Acessibilidade às informações.
Parágrafo único. Sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de visual law que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis.
Para fins de exemplificação, é oportuno mencionar que há o mesmo estímulo para o uso de visual law no Provimento 59/2020 (TJ/MA), no Provimento 45/2021 (TJ/ES), na Instrução Normativa 55 (DREI), na Portaria 2/2021 (JFBA) e na Portaria Conjunta 91/2021 (TJDFT). É perceptível, portanto, que não se trata de uma recomendação isolada que tem passado despercebida pelos operadores do Direito.
Essas ferramentas de facilitação de acesso à justiça têm sido amplamente aplicadas. No TJ/RR, por exemplo, começou a ser utilizado o visual law nos processos de medidas protetivas de urgência expedidos pelo Poder Judiciário, e segundo a juíza Suelen Alves, o objetivo é simplificar o entendimento das partes a respeito das medidas protetivas, com a inclusão de orientações sobre pensão, guarda, visita dos filhos, contatos de instituições que prestam assistência especializada à mulher, informações a respeito de atendimentos psicológicos e esclarecimentos. Um dos cartazes divulgados foi o seguinte:

E alguns juízes e desembargadores já vêm adotando o visual law em suas práticas, conforme demonstra o resumo do acórdão proferido por Sérgio Torres Teixeira, desembargador da Primeira Turma do TRT da 6ª Região, abaixo replicado:

É possível consultar, ainda, um modelo de mandado de citação e intimação de penhora em um processo de execução fiscal, que foi realizado pelo juiz federal titular da 6ª Vara da Justiça Federal do Rio Grande do Norte, Marco Bruno Miranda Clementino, e que utiliza de elementos visuais como figuras, quadros e QR Code a fim de facilitar o entendimento do devedor:


De acordo com uma reportagem divulgada pela Folha de São Paulo, o supramencionado magistrado possui uma equipe multidisciplinar que conta inclusive com um estagiário de design e acredita que diferentes iniciativas de visual law devem ser discutidas de maneira coletiva para que possam ser adotados caminhos comuns pela comunidade jurídica.
E assim como os magistrados, muitos advogados passaram a utilizar recursos visuais em suas petições, pareceres e contratos. Ficou bastante conhecido um caso na África do Sul em que a empresa Creative Contracts, sediada na Cidade do Cabo, desenvolveu um contrato em quadrinhos para regular a relação de trabalho de uma fazenda de frutas cítricas com seus funcionários.

É evidente que essas novas tendências têm movimentado significativamente o mercado, de forma que surgiram startups jurídicas e cursos que possuem o escopo de capacitar profissionais para uso dessas ferramentas. Em uma rápida pesquisa na internet, é possível encontrar diversas opções de cursos de legal design e visual law, inclusive nas mais renomadas e tradicionais instituições de ensino do país. Tudo indica que se trata de mais uma novidade que veio para ficar.
Apesar disso, é de se esperar que as tendências estejam longe de ser unanimidade entre os operadores do Direito, que já se mostraram resistentes às inovações tecnológicas em diversas outras situações que hoje, com o devido distanciamento temporal, podem parecer cômicas. No ano de 1929, por exemplo, a Câmara Criminal do Tribunal da Relação de Minas Gerais anulou uma sentença porque ela não havia sido escrita pelo juiz de próprio punho, e sim datilografada; cerca de seis décadas depois, diversas sentenças foram anuladas porque os magistrados estavam utilizando computadores.
E a respeito dessa resistência, cumpre informar que foi publicado um artigo de grande repercussão em um conhecido portal de assuntos jurídicos com o título “Vamos aceitar a desmoralização do Direito e do advogado? Até quando?” que critica de maneira bastante enfática o visual law, mencionando que se trata da “desmoralização da ciência jurídica”. Ali, foi abordado pelo autor Lenio Luiz Streck o receio de que os livros se tornem obsoletos e sejam trocados por “figurinhas, desenhos e emojis” e há diversos comentários em resposta concordando com a opinião emitida no texto.
Nesse cenário, é legítimo que um advogado venha a questionar a efetividade dessas ferramentas para o convencimento de um magistrado, por exemplo, uma vez que sua resistência em relação a essas inovações pode ser considerável. E pensando nisso, um grupo de pesquisa denominado VisuLaw enviou questionários a aproximadamente 150 juízes federais para saber qual seria a receptividade deles ao emprego de recursos visuais nos processos.
A princípio, a resposta foi positiva, pois 87% dos juízes responderam que a utilização de elementos gráficos facilitava a análise das petições; porém, quando três modelos de petição foram enviados a eles (sendo um modelo apenas com texto, outro com uso moderado de recursos visuais e o terceiro modelo com muitos elementos gráficos), os resultados da pesquisa foram surpreendentes. Isso porque uma quantidade significativa dos magistrados (cerca de 49%) preferiu a petição que possuía apenas texto.
Os 51% remanescentes que aprovaram os modelos com recursos visuais se dividem da seguinte maneira: 39,8% preferiram a versão com emprego moderado, enquanto 11,1% dos magistrados optaram pela versão com uso mais amplo de elementos visuais. Além disso, os itens mais rejeitados foram o QR Code, cuja desaprovação foi de 39,2%, e vídeos, que ficaram com o percentual de 34,6%; os menores índices de desaprovação foram, por sua vez, os croquis (3,9%), fluxogramas (5,2%) e gráficos (5,8%).
É perceptível, portanto, que inovações como legal design e visual law despertam o interesse de alguns e causam estranheza em outros, o que é esperado. Isso porque o meio jurídico, de maneira geral, é conhecido por se apegar a algumas tradições que podem não fazer mais tanto sentido no cenário atual e ser resistente a verdadeiras mudanças de paradigmas.
Há uma história rememorada pela professora Teresa Arruda Alvim de que um homem dormiu por 200 anos e acordou assustado, pois ao procurar sua “caixa de depósitos” para conferir o dinheiro, encontrou caixas automáticos e portas giratórias ao invés de pessoas. Se assustou ainda mais ao se deslocar à venda e encontrar um hipermercado onde jovens andavam de patins e havia filas intermináveis de caixas registradoras. Mas se acalmou ao chegar no tribunal para conferir alguns processos de que se lembrava, pois tudo permanecia da mesma maneira: havia tapetes vermelhos e as pessoas falavam latim.
Dessa maneira, é proposta a reflexão pela doutrinadora no seguinte sentido: “Em vez de sorrir, esta história deveria fazer-nos levar as mãos à cabeça e pensar em quantas coisas na área jurídica cheiram a mofo”. E não há como discordar desse pensamento da professora Teresa Arruda Alvim.
É evidente que o legal design e o visual law são passíveis de críticas e devem ser cada vez mais aperfeiçoados na prática, uma vez que o uso de elementos gráficos exige lucidez e parcimônia, pois o excesso de cores, quadros e grifos pode vir a gerar poluição visual e desconforto ao intérprete. Destaca-se, entretanto, que isso não é algo exclusivo dessas tendências, e se aplica a todo o direito: os advogados também precisam ter cautela para evitar a redação de parágrafos muito extensos em suas peças, por exemplo.
Tudo indica que o legal design e o visual law farão cada vez mais parte da realidade dos operadores do direito, ainda que exista resistência de parte da comunidade jurídica, como já ocorreu em diversas outras situações anteriores. De qualquer modo, é um aspecto positivo que essas ferramentas possam entregar informações de maneira mais clara e objetiva, o que pode propiciar um melhor entendimento do Direito e, consequentemente, efetivar o acesso à justiça.
Referências
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- Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se: VI – transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial. ↩︎
- Art. 54-B. § 1º As informações referidas no art. 52 deste Código e no caput deste artigo devem constar de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil acesso ao consumidor. ↩︎