O prazo decadencial para ajuizamento da ação rescisória fundada em prova nova 

28 de dezembro de 2023

O art. 966, caput, do Código de Processo Civil elenca oito hipóteses nas quais a decisão de mérito transitada em julgado pode ser rescindida dentre as quais está aquela prevista no inciso VII, que autoriza o ajuizamento de ação rescisória quando “obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”. 

O ajuizamento da ação rescisória fundada em prova nova detém prazo decadencial diverso do prazo de “2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”, preconizado pelo caput do art. 975 do Código e imposto às demais hipóteses.   

Tratando-se de ação rescisória fundada em prova nova, a norma processual estabelece algumas peculiaridades quanto ao prazo para o seu ajuizamento: 

  1. O termo inicial do prazo decadencial para tal hipótese de ação rescisória “será a data de descoberta da prova nova”;  
  1. A descoberta da prova nova deverá ocorrer no prazo “máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”, nos exatos termos do §2° do art. 975 do CPC; e, 
  1. Após a descoberta da prova nova incidiria, então, o prazo previsto como regra, ou seja, aquele de “2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”, preconizado pelo caput do art. 975 do Código e aplicável às demais hipóteses.   

Em razão de tais especificidades, relevante parcela da doutrina manifesta entendimento no sentido de que, na prática, tal prazo diferenciado previsto, inicialmente, para a “descoberta” da prova nova permitiria o ajuizamento de ação rescisória no prazo de até 7 (sete) anos, já que a parte interessada teria o prazo de 5 (cinco) anos para descoberta, acrescidos dos 2 (dois) anos previstos como prazo decadencial regular para o ajuizamento da demanda em questão. 

Apesar da estranheza inicial causada pelo prazo alongado, Vinícius Silva Lemos explica a dinâmica relativa à somatória dos prazos previstos em lei: 

São dois prazos a serem cumpridos quando da alegação de descoberta da prova nova [em ações rescisórias]: o prazo de dois anos após a descoberta; e o prazo de cinco anos do trânsito em julgado. O autor da ação rescisória deve preocupar-se com a conjunção dos dois prazos, ou seja, que seja descoberta em, no máximo, cinco anos do trânsito em julgado e, a partir da descoberta, deve cumprir o prazo de dois anos para a proposição da demanda. Importante, ainda, salientar que o autor deve comprovar a data de tal descoberta, talvez o mais difícil a ser realizar na demanda, mas essencial para tal cumprimento. (LEMOS, Vinícius Silva. A amplitude de impugnação na ação rescisória: decisão parcial, coisa julgada prejudicial, capítulos da decisão e coisa julgada progressiva. Revista Eletrônica de Direito Processual – Redp. Rio de Janeiro. Ano 13. Volume 20. Número 1. Janeiro a Abril de 2019). 

Por se tratar de uma novidade introduzida no sistema normativo processual pelo Código de Processo Civil de 2015, ainda não se formou, no âmbito do Poder Judiciário, jurisprudência consolidada quanto ao prazo decadencial específico incidente para hipótese de ação rescisória ajuizada com fundamento no inciso VII do art. 966 do CPC. 

Ao enfrentar o tema, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) se posicionou no sentido de que o prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória fundada em prova nova exige conjugar a interpretação do ‘caput’ do art. 975 do CPC com o que prevê o §2° do mesmo dispositivo:  

(…) 

Assim, a contagem do prazo decadencial, quando a pretensão rescisória fundamentar-se no artigo 966, VII, do CPC/2015, deve ficar adstrita à conjugação do caput do artigo 975 e seu parágrafo segundo, ou seja, o termo inicial considerará “a data de descoberta da prova nova”, observando-se o biênio decadencial e o “prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”. Considerando que no caso concreto o trânsito em julgado do acórdão rescindendo ocorreu em 22/11/2019; a data de ciência da” prova nova “que subsidiou o pedido de corte rescisório foi fixada em 29/03/2022; e a presente ação rescisória foi ajuizada em 19/05/2022, constata-se que a propositura da demanda foi realizada dentro do prazo decadencial. (…) 

(TST – ROT: 0000148-78.2022.5.23.0000, Relator: Sergio Pinto Martins, Data de Julgamento: 19/09/2023, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 22/09/2023) 

Por ocasião do supracitado julgamento, o TST fez importante ponderação a respeito do prazo decadencial diferenciado que também merece ser citada, pois se trata de questão de inegável impacto: 

(…) 

Não se pode confundir o mérito da questão de fundo objeto da pretensão rescisória para efeito de aplicação ou não do referido dispositivo na contagem do prazo decadencial, ainda que se considere a existência de controvérsia quanto à adequação do conceito legal da “prova nova”. A qualificação do documento apresentado pela parte como “prova nova” está circunscrita ao exame de mérito da pretensão rescisória, não influenciando sobre o termo inicial de contagem do prazo decadencial expressamente previsto no artigo 975, § 2º, do CPC/2015. 

(TST – ROT: 0000148-78.2022.5.23.0000, Relator: Sergio Pinto Martins, Data de Julgamento: 19/09/2023, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 22/09/2023.) 

O referido entendimento adotado na esfera trabalhista parece representar relevante exegese da norma, pois a qualificação da prova como nova demandará efetivamente a análise do mérito da pretensão deduzida pela parte autora, momento em que julgador avaliará se a prova apresentada cumpre os requisitos exigidos pela lei, especialmente se, na hipótese, o elemento probatório apresentado pelo interessado consiste em “prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável” conforme prevê o inciso VII do art. 966 do CPC. 

A questão pontuada pelo TST no que toca à diferenciação dos aspectos de análise da lide (ou seja, o exame de observância ao prazo decadencial x o exame de mérito quanto à existência efetiva de prova nova) é relevante na medida em que não são raras as decisões dos tribunais, nas mais diversas esferas de jurisdição, que acabam por rever a qualificação de “nova” conferida pela parte autora à prova apresentada e, partindo de tal requalificação (ou “desclassificação”) da prova, considera que restou desatendido o prazo decadencial incidente no caso, já que inexistindo “prova nova” passível de descoberta no prazo específico, volta a incidir o prazo decadencial geral previsto para o ajuizamento de ação rescisória, que é de “2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”, nos termos do art. 975 do CPC.  

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, já se manifestou em diversos julgados nesse sentido: 

AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO RESCISÓRIA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. PROCESSUAL CIVIL. DECADÊNCIA. ART. 975 DO CPC.  

1. A ação rescisória fundada em prova nova (art. 966, VII, do CPC) possui prazo decadencial diferenciado, cujo termo inicial será a data de descoberta da prova nova, observado o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo (art. 975, §2º, CPC).  

2. Não há como considerar que os documentos ora trazidos possam ser considerados como prova nova, a fim de dar azo à propositura da presente ação rescisória.  

3. Descaracterizada a documentação trazida como prova nova, o prazo decadencial para interposição da rescisória é aquele fixado no art. 975 do CPC. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça.  

4. Decorridos mais de dois anos do trânsito em julgado da decisão, verificasse a decadência do direito de ajuizar a ação, mantendo-se o indeferimento da petição inicial. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO REGIMENTAL. 

(Agravo Regimental Cível, Nº 70083466375, Segundo Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Matilde Chabar Maia, Julgado em: 22-05-2020). 

AÇÃO RESCISÓRIA. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DECADÊNCIA. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO PREVISTO NO ART. 975 DO CPC. A LEI FEDERAL Nº 14.010/2020 NÃO É APLICÁVEL ÀS RELAÇÕES DE DIREITO PÚBLICO. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA EM ALEGADA PROVA NOVA. HIPÓTESE NÃO DEMONSTRADA. 1. No caso dos autos, o trânsito em julgado do acórdão que examinou a Apelação Cível nº 70081598997 ocorreu em 01/10/2019. Ocorre que a presente ação rescisória somente foi ajuizada em 18/02/2022, ou seja, após o decurso do prazo decadencial. 2. Inaplicável o critério de contagem do prazo decadencial prevista na Lei Federal nº 14.010/2020 à hipótese sob análise, tendo em vista que tais disposições são afetas às relações de Direito Privado. No caso, cuida-se de questão atrelada ao direito público, inclusive com determinação de obrigação de fazer ao Município de Camaquã. 3. Prova nova é aquela preexistente ao processo cuja decisão se procura rescindir, situação diversa da dos autos, considerando que a referida prova nova sinalada pelo autor se cuida, em verdade, de prova documental produzida em momento posterior ao julgamento rescindendo. INDEFERIDA A PETIÇÃO INICIAL E EXTINTO O PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, EM DECISÃO MONOCRÁTICA. 

(TJ-RS – AR: 70085542991 RS, Relator: João Barcelos de Souza Junior, Data de Julgamento: 22/02/2022, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Data de Publicação: 24/02/2022) 

O mesmo entendimento já foi manifestado por outros Tribunais de Justiça, sendo inúmeros os julgados em que o exame da qualificação da prova é realizado prejudicialmente à análise quanto à observância do prazo decadencial: 

AÇÃO RESCISÓRIA – DESCONSTITUIÇÃO DE COISA JULGADA – VÍCIO PROCESSUAL – SIMULAÇÃO E COLUSÃO – CONLUIO ENTRE O IRMÃO DOS AUTORES DA RESCISÓRIA E O RÉU DA AÇÃO RESCINDENDA – ÔNUS DA PROVA – DESCUMPRIMENTO – PRAZO DECADENCIAL – REGRA GERAL – DOIS ANOS – DECADÊNCIA OPERADA – AUSÊNCIA DE CONTESTAÇÃO DA AÇÃO RESCINDENDA – LIBERALIDADE DA PARTE RÉ – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DE LITISCONSORTES – DESNECESSIDADE – REPRESENTAÇÃO DE PESSOA JURÍDICA POR ADMINISTRADOR – AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE – NULIDADE – INEXISTÊNCIA – REJEIÇÃO DO PEDIDO RESCISÓRIO. A ação rescisória se presta a desconstituir decisão transitada em julgado contaminada com vício anulável previsto restritamente no art. 966 do CPC/15. A rescisória não se apresenta como meio impugnativo autônomo com vista a reexaminar os fatos e normas legais aplicáveis ao caso, servindo para afastar decisão que, por manifesto erro ou por violar o ordenamento, causa sério conflito jurídico, fere a segurança e o valor da justiça. O prazo geral para ajuizamento da ação rescisória é de 2 (dois) anos ( CPC(CPC, art. 975). Admite-se a extensão do prazo decadencial quando se tratar de “prova nova”, cujo termo inicial é o seu conhecimento, limitado ao prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado da última decisão praticada no processo que se pretende rescindir, admitindo-se, ainda, o ajuizamento da ação rescisória em caso de “simulação ou da colusão”, contando-se o prazo decadencial desde a ciência de tais circunstâncias. (…) 

(TJ-MG – AR: 05552011920198130000, Relator: Des.(a) Manoel dos Reis Morais, Data de Julgamento: 28/03/2023, 10ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 03/04/2023) 

EMENTA: AÇÃO RESCISÓRIA. AJUIZAMENTO APÓS TRANSCORRIDO O PRAZO DE 2 ANOS A CONTAR DO TRÂNSITO EM JULGADO DO ACÓRDÃO RESCINDENDO. DECADÊNCIA DO DIREITO CONFIGURADA. PROVAS NOVAS NÃO CARACTERIZADAS. EXTINÇÃO DO FEITO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.  

1. O direito à rescisão do julgado, extingue-se em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.  

2. No caso dos autos, o acórdão transitou em julgado em 13/09/2019, iniciando-se, a partir desta data, a contagem do prazo bienal para a propositura da ação rescisória. Portanto, o prazo decadencial se exauriu em 13/09/2021. Tendo em vista que petição inicial da ação rescisória foi protocolizada em 10/02/2022, já havia se operado a decadência para o manejo de tal ação.  

3. O termo ‘prova nova’ disposto no artigo 966, inciso VII, do CPC, é aquela que já existia quando da prolação da sentença rescindenda, mas cuja existência era ignorada pelo autor da rescisória, ou que dela não pôde fazer uso. Portanto, não cabe, em sede rescisória, dar início a nova instrução processual baseado em julgamento posterior de ação rescisória alheia às partes contidas nestes autos, tal como intenta o ora Autor da ação, pois, além de ser imprestável ao fim de modificar o mérito da ação declaratória de ato administrativo, resta inaplicável a ampliação do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória, previsto no artigo 975, § 2º, do CPC (5 anos). PROCESSO EXTINTO, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. DECADÊNCIA RECONHECIDA. 

(TJ-GO – AR: 50718625120228090000 GOIÂNIA, Relator: Des(a). DESEMBARGADOR WILSON SAFATLE FAIAD, 1ª Seção Cível, Data de Publicação: (S/R) DJ) 

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou pela realização do exame simultâneo (ou mesmo prévio) do atendimento aos requisitos exigidos para a caracterização da prova como nova e do exame da observância do prazo decadencial, desconsiderando a questão pontuada pelo TST no que toca à diferenciação dos aspectos de análise da lide (ou seja, chancelou o exame de mérito quanto à existência efetiva de prova nova, ou prévio ao exame do prazo decadencial): 

AGRAVO INTERNO SUBMETIDO AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. AÇÃO RESCISÓRIA. PROPOSITURA FORA DO PRAZO DE DOIS ANOS DO CAPUT DO ART. 975 DO CPC/2015. INEXISTÊNCIA DE PROVA NOVA. DECADÊNCIA CONFIGURADA.  

1. A ação rescisória fundada foi apresentada fora do prazo de dois anos previsto no caput do art. 975 do CPC/2015. Decadência configurada. 2. Os documentos invocados pela autora são imprestáveis para justificar o diferimento do prazo para a propositura da ação rescisória (CPC/2015, art. 975, § 2º), pois dizem respeito a laudo pericial produzido recentemente, relativo a documentos que foram utilizados na causa originária, ou seja, não são provas novas para os fins do inciso VII do art. 966 do CPC/2015.  

3. Agravo interno não provido. 

(STJ – AgInt na AR: 6058 SP 2017/0139576-9, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 13/12/2017, S1 – PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 18/12/2017) 

O Supremo Tribunal Federal já foi instado a conhecer da questão por meio de Agravo em Recurso Extraordinário (STF – ARE: 1452870 SP, Relator: Min. Rosa Weber, Data de Julgamento: 24/08/2023) tirado de acórdão do TJSP assim ementado: 

AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE NOCIVA. RUÍDO. PPP. RETIFICAÇÃO. DOCUMENTO EMITIDO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. PROVA NOVA. DESCARACTERIZAÇÃO. DECADÊNCIA. CONSUMAÇÃO. 

1. O artigo 966, VII, do CPC estabelece que será cabível a propositura de ação rescisória se o autor obtiver, posteriormente ao trânsito em julgado da decisão a ser desconstituída, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz de, por si só, assegurar-lhe pronunciamento favorável. 

2. Estabelece o artigo 975, § 2º, do CPC, que, se a demanda rescisória estiver fundada na obtenção de prova nova, o biênio decadencial terá como termo inicial a data da correspondente descoberta, observando-se o prazo máximo de 5 (cinco) anos, contado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. 

3. O novo PPP trazido pela parte autora, datado de 13/01/2021, foi produzido posteriormente ao trânsito em julgado da decisão rescindenda, o qual se deu em 28/06/2018, razão por que o documento não constitui prova nova, sendo, portanto, descabida a pretensão de utilizá-la para fins de rescisão, calcada no artigo 966, VII, do CPC, a impedir a contagem de prazo diferenciado constante do artigo 975, § 2º, do mesmo diploma legal. 

4. Considerando que o trânsito em julgado do acórdão rescindendo data de 28/06/2018, ao passo que a presente ação rescisória foi ajuizada em 11/06/2021, verifica-se a consumação da decadência. 

5. Processo extinto com resolução do mérito. 

Em virtude de tratar-se exatamente de hipótese em que houve exame simultâneo do atendimento ao requisito previsto no inciso VII do art. 966 do CPC e do requisito previsto no art. 975 do CPC, o caso poderia revelar oportunidade para que o STF se manifestasse quanto à interpretação da norma. Contudo, a pretensão recursal não foi conhecida visto que se considerou que “para ultrapassar o entendimento do Tribunal de origem, seria necessário analisar a causa à luz da interpretação dada à legislação infraconstitucional pertinente, o que não é cabível em sede de recurso extraordinário”. 

A despeito disso, parece razoável o entendimento, a partir do texto vigente do Código de Processo Civil, de que o legislador classificou a decadência como matéria afeita ao mérito da demanda, nos termos do art. 487, inciso II, do CPC, donde ser possível concluir que o exame da observância do prazo decadencial na hipótese prevista no art. 966, inciso VII, do CPC pressupõe a aferição quanto à presença dos requisitos exigidos para que a prova seja classificada como “nova”.  

Conquanto consistam em aspectos diversos cujo exame, nas demandas, é mesmo de rigor, o texto de lei atual realmente parece exigir análise conjunta da “prova nova” e da decadência, a estabelecer uma espécie de condição sine qua non na qual não há prazo decadencial específico se não houver prova nova efetiva.  

De todo o modo, não é demais salientar que o Código de Processo Civil atual não inovou somente no que toca ao prazo decadencial próprio da ação rescisória fundada em prova nova, mas também no que se refere à disciplina do que pode ser considerado “prova nova” para a finalidade de fundamentar o ajuizamento de ação rescisória. 

Nesse sentido, o inciso VII do art. 485 do CPC/73 previa a possibilidade de ajuizamento da ação rescisória quando “depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”.  

A atual redação do CPC não limita o meio de prova que, em sendo nova e atendendo aos requisitos previstos em lei, autoriza a ação rescisória, diferenciando-se do CPC/1973 que, para tal finalidade, apenas contemplava a prova documental. 

 Apesar da inexistência de limitação quanto ao meio de prova, a ação rescisória fundada em tal hipótese legal não prescinde da presença e demonstração dos requisitos legais para o manejo da medida, como lecionam Fredie Didier. Jr.e Leonardo Carneiro da Cunha: 

É que, nos termos do artigo 966, VII, do CPC, a prova nova deve ser obtida ‘posteriormente ao trânsito em julgado’. O momento da descoberta da prova nova deve ocorrer depois do trânsito em julgado. Se ainda era possível à parte produzir a prova no processo originário, e não o fez, não caberá a rescisória. Esta somente será cabível, se a prova foi obtida ou se tornou possível em momento a partir do qual não se permitia mais produzida no processo originário. 

A ação rescisória, no caso do inciso VII do artigo 966 do CPC, deverá ser intentada por petição inicial que venha acompanhada do documento novo ou da indicação da prova nova a que alude o referido dispositivo. Não se permite seja a ação rescisória intentada, sem a indicação da prova nova e a demonstração do momento de sua descoberta ou da possibilidade de sua produção. Isso porque um dos requisitos da rescisória, nesse caso, é, como se viu, a comprovação de que o autor da rescisória só teve acesso à prova, ‘posteriormente ao trânsito em julgado’. Ora, se ainda não teve acesso à prova, não lhe cabe, por enquanto, propor a ação rescisória. 

(Curso de Direito Processual Civil: meio de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, p. 502-505). 

 Os referidos requisitos essenciais para a qualificação da prova como nova constam do inciso VII do art. 966 do CPC, que prevê o cabimento de ação rescisória quando “obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável”, do que se extrai que a prova nova, na verdade é pré-existente, mas desconhecida ou inacessível no curso da lide originária.  

O Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de analisar recurso em que se pretendia a reforma de acórdão que declarara a decadência ao desconsiderar, como termo inicial para a contagem do prazo, a tomada de prova testemunhal em momento posterior ao trânsito em julgado da demanda em que proferida a decisão a ser rescindida.  

Com efeito, quando do julgamento do Recurso Especial n° 1.770.123 – SP, em março de 2019, o STJ conheceu de pretensão recursal cuja controvérsia no caso concreto cingia-se  

a definir se a prova testemunhal obtida em momento posterior ao trânsito em julgado da decisão rescindenda está incluída no conceito de “prova nova” a que se refere o artigo 966, inciso VII, do Código de Processo Civil de 2015, de modo a ser considerado, para fins de contagem do prazo decadencial, o termo inicial especial previsto no artigo 975, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015 (data da descoberta da prova nova). (destacamos). 

Naquela ocasião, defendia o recorrente a possibilidade de utilização da prova testemunhal em virtude do atual texto de lei, que não mais exige “documento novo” como o CPC/73, mas sim “prova nova”. 

A pretensão recursal foi acolhida e o STJ entendeu que não havia “como prevalecer a orientação esposada pela Corte local no sentido de que “a hipótese modelada no dispositivo diz respeito a descobrir ‘prova nova’ e não testemunhas novas”. 

Com o reconhecimento da possibilidade de uso da prova testemunhal para tal finalidade, o STJ também afastou a decadência, “tendo em vista o disposto no artigo 975, § 2º, do Código de Processo Civil que, mediante inovação no sistema processual atinente à contagem do prazo para a propositura da rescisória, previu prazo diferenciado para as hipóteses de rescisão fundada em prova nova.” 

Quando da prolação do acórdão em questão, que fixou importante precedente sobre o tema, o relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, fez duas ponderações nas quais endereçou a sua preocupação com a alteração legislativa. Nesse sentido, pontuou na oportunidade que “para o bem ou para o mal, há controvérsias doutrinárias, mas a lei é essa”; chegando a afirmar que “não sei se a segurança jurídica sai ganhando com isso, mas é a lei.” 

Para além das ponderações do referido Ministro, fato é que a questão, mesmo com a redação anteriormente conferida pelo CPC/1973, já não era isenta de críticas e controvérsias as quais se somaram a partir da vigência do CPC atual àquelas naturalmente decorrentes de alterações legislativas relevantes. 

Considerando que as alterações no caso em apreço contemplaram o prazo decadencial para ajuizamento de demanda específica e ainda a natureza da prova que autoriza o manejo da medida, é imprescindível que os tribunais formem posicionamento coerente e coeso acerca da exegese da norma.   

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