Regulamentação das Taxas de Juros Remuneratórios no Brasil 

28 de janeiro de 2024

A presente pesquisa tem como objetivo analisar como é – e se existe – a regulamentação da taxa de juros remuneratórios para contratos de mútuo no Brasil.  

Inicialmente, destaca-se que “a sede da regulação do Sistema Financeiro Nacional é a Constituição”i, mais especificamente o art. 192. O referido dispositivo, no que diz respeito ao objeto da presente pesquisa, elenca o “desenvolvimento equilibrado do País” como sendo um dos objetivos do Sistema Financeiro Nacional constitucionalmente assegurado, o que apresenta reflexos diretos nas relações bancárias, devendo ser observado tanto pelas normas infraconstitucionais quanto pelas decisões judiciais relacionadas à revisão judicial das taxas de juros. 

Isso não obstante, é a Lei nº 4.595, de 1964ii, que “dispõe sobre a organização do Sistema Financeiro Nacional, criando sua estrutura, na qual se inserem o Conselho Monetário Nacional – ao qual conferiu competência regulatória – e o BACEN”iii

No que diz respeito ao Conselho Monetário Nacional, os arts. 3º e 4º da referida lei lhe atribuem a competência para regulamentar o crédito em suas mais variadas formas. Desse modo, compete ao referido Conselho, dentre outras providências, “limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros”, conforme inciso IX do art. 4º. 

De outro lado, os arts. 9º e 10 da Lei nº 4.595, de 1964, estabelecem a competência executiva do Banco Central do Brasil (BCB), incumbindo-lhe de “fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional”. 

Disso é possível concluir que “o Conselho Monetário Nacional é órgão que exerce competência regulatória, conforme arts. 3º e 4º da Lei 4.595/1964. O Banco Central do Brasil, por seu turno, possui competências executivas de supervisão bancária, previstas nos arts. 9º e 10 da Lei 4.595/1964”iv

Sendo assim, no que tange às taxas de juros mais especificamente, o inciso IX do art. 3º supratranscrito é claro no sentido de que somente caberia ao Conselho Monetário Nacional impor alguma limitação regulamentar, seja de percentual, forma de incidência, periodicidade, ou qualquer outro fator limitante. 

Segundo o Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019, que dispõe sobre a revisão e a consolidação dos atos normativos inferiores a decreto, o poder normativo do Conselho Monetário Nacional, por ser um órgão colegiado, deve ser exercido por meio de Resoluções. Além disso, o referido Decreto determinou, em seu artigo 12, que “os órgãos e as entidades publicarão, por meio de portaria de seu dirigente máximo, até 30 de setembro de 2020, a listagem completa dos atos normativos inferiores a decreto vigentes”. 

Em relação ao Conselho Monetário, a referida listagem está disponível no sítio eletrônico do Banco Central do Brasilv. Fazendo-se uma filtragem de todos os atos para que apareçam somente aqueles que contenham as expressões “taxa de juros” ou “taxas de juros”, encontram-se 18 (dezoito) Resoluções CMN. Da leitura dessas Resoluções, é possível verificar que não há qualquer limitação imposta às taxas de juros praticadas em contratos de mútuo pelas instituições financeirasvi

Segundo Miragem, a ausência de um limite predefinido para os juros praticados pelas instituições financeiras seria decorrente da busca pelo “desenvolvimento equilibrado do País”, estabelecido como um objetivo pelo art. 192 da Constituição Federal, conforme se adiantou, e ensina que: 

A compreensão do direito bancário e dos institutos que interessam à disciplina jurídica da atividade bancária pressupõe a atenção a certas características que lhes são peculiares. Em primeiro lugar, grande parcela da dinâmica da atividade bancária observa sua juridicização mediante atividade regulamentar. Evita-se, propositalmente, a rigidez de fórmulas legislativas, sob o argumento de que a natureza dinâmica da atividade bancária e sua relação com as demais atividades econômicas recomendam a maior flexibilidade da competência regulamentar, assim como o conhecimento técnico presentes nos órgãos reguladores titulares desta competência normativa.vii 

Nessa perspectiva, o equilíbrio econômico há de ser estabelecido mediante as peculiaridades de cada transação financeira, o que seria um óbice à criação de regulamentações que sejam aplicáveis indistintamente a todas as operações. 

Contudo, vale dizer que essa ausência de limitação se refere especificamente às taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras em contratos de mútuo bancário. Nesse sentido, “há uma série de taxas de juros consideradas referenciais, consagradas no mercado e que servem para padronização da remuneração de determinadas classes de contratos bancários. Podem ser tanto taxas oficiais como taxas de mercado”viii. Dentre as principais, encontram-se a Taxa SELIC, a Taxa Básica Financeira (TBF), a Taxa Referencial (TR), a Taxa DI-CETIP e a Taxa ANBID. 

Inicialmente, no que diz respeito à Taxa Selic, a sua criação se deu por meio da Circular nº 466/1979 do BCB e é considerada “a taxa básica de juros da economia brasileira”ix. A sua fixação é feita regularmente pelo próprio Banco Central, especificamente por meio do Comitê de Política Monetária – COPOM, que se reúne regularmente para esse fimx. De todo modo, a fórmula utilizada para a sua apuração está prevista na Circular BACEN nº 2.761, de 18 de junho de 1997, sendo expressa em termos anuais. 

Nesse sentido, “a taxa Selic é admitida como a de mais baixo risco no mercado financeiro nacional, sendo referência para as demais taxas de juros do mercado”xi, bem como é utilizada “para estabelecer o custo do dinheiro nas operações de mercado aberto com títulos públicos (open market)”xii. Sendo assim, “é a taxa de referência no mercado financeiro, exercendo influências diretas sobre o volume da dívida pública, oferta de crédito, nível de inflação, entre outros indicadores econômicos importantes”xiii

Uma das principais características da Taxa Selic é que nela está embutida também a taxa de inflaçãoxiv, de tal modo que a jurisprudência do STJ tem rejeitado a sua cumulação com índices de correção monetária. Nesse sentido a propósito, veja-se o acórdão proferido sob a sistemática dos recursos repetitivos nos autos do REsp. nº 1.102.552/CE, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ de 6.4.2009. 

A Taxa Básica Financeira (TBF), por sua vez, foi criada pela Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, “com o intuito principal de alongar o perfil das aplicações financeiras da economia, meta sempre almejada pelas autoridades monetárias”xv. O art. 5º da lei deixou claro que essa taxa deve ser “utilizada exclusivamente como base de remuneração de operações realizadas no mercado financeiro, de prazo de duração igual ou superior a sessenta dias”. Em síntese, “o Banco Central calcula a TBF com base nos rendimentos médios mensais oferecidos pelo CDB de 30 dias, informando seu percentual periodicamente ao mercado”xvi

Desse modo, pode-se afirmar que “a TBF é uma taxa futura de juros dos títulos de renda fixa do mercado financeiro nacional que transmite aos agentes uma ideia sobre o comportamento dos juros previstos para os próximos 30 dias”xvii

A Taxa Referencial (TR) foi instituída pela Medida Provisória nº 294 de 1991, convertida posteriormente na Lei nº 8.177, de 1991. A forma de cálculo da TR está definida no art. 1º dessa lei: 

O Banco Central do Brasil divulgará Taxa Referencial (TR), calculada a partir da remuneração mensal média líquida de impostos, dos depósitos a prazo fixo captados nos bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos múltiplos com carteira comercial ou de investimentos, caixas econômicas, ou dos títulos públicos federais, estaduais e municipais, de acordo com metodologia a ser aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, no prazo de sessenta dias, e enviada ao conhecimento do Senado Federal. 

Assaf Neto ensina que “a principal razão apontada para a criação da TR (1991) era promover a substituição da indexação presente na economia brasileira, a qual vinha realizando-se mediante inúmeros índices, como ORTN, OTN, BTN, entre outros”xviii. Desse modo, “as autoridades monetárias esperavam, ainda, que a introdução da TR no mercado funcionasse como a taxa básica da economia, referencial para a formação dos juros de seus vários ativos e passivos financeiros”xix

Por fim, tem-se as taxas DI-CETIP e a Taxa ANBID. No que diz respeito à CETIP, Miragem ensina que: 

A taxa DI-CETIP é calculada pela Central de Custódia e Liquidação de Títulos (CETIP), sociedade empresária de capital aberto que tem grande relevância para o sistema bancário, considerando que visa remunerar os depósitos interfinanceiros entre instituições financeiras. Trata-se da taxa média calculada e divulgada pela CETIP, mediante ponderação do volume de operações de emissão de depósitos interfinanceiros pré-fixados, pactuadas por um dia útil e registradas e liquidadas em seu sistema. É denominada formalmente taxa DI-CETIP Over Extra-Grupo, em vista de o seu cálculo considerar um dia útil de prazo (overnight) e contemplar apenas operações celebradas entre instituições de diferentes conglomerados financeiros. Serve como indexador de inúmeras operações do mercado financeiro.xx 

De outro lado, em relação à ANBID, tem-se que: 

A taxa ANBID é calculada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – ANBIMA. Deve seu nome ao fato de ter sido inicialmente calculada pela Associação Nacional dos Bancos de Investimento – ANBID, que posteriormente veio a constituir a ANBIMA Trata-se de taxa anualizada, considerados 252 dias úteis, divulgada diariamente, e corresponde à média ponderada por volume das taxas de captação pré e pós-fixadas em diversas operações de depósitos bancários, entre um e cento e oitenta dias.xxi 

Nesse ponto, cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio da Súmula 176, afastou a possibilidade de utilização tanto da taxa CETIP quanto da ANBID para cálculo de taxa de juros remuneratórios praticada por instituição financeira, ao dispor que “é nula a cláusula contratual que sujeita o devedor à taxa de juros divulgada pela ANBID/CETIP”.  

Segundo o STJ, haveria dois principais fundamentos para a fixação desse entendimento: “i) o fato de que as normas de regência dispunham expressamente que a taxa variável somente poderia ser fixada pelo Banco Central do Brasil e ii) o caráter potestativo da referida taxa, calculada por entidade voltada à defesa dos interesses das instituições financeiras” (REsp n. 1.781.959/SC, Terceira Turma, julgado em 11/2/2020, DJe de 20/2/2020). 

Contudo, mais recentemente o próprio STJ tem deixado de aplicar a referida Súmula 176 no que diz respeito à aplicação da taxa CDI, ainda que ela seja divulgada pela CETIP. Isso porque, ao contrário da taxa que era divulgada pela CETIP à época da edição da Súmula 176, “a CDI não é livremente fixada pelo próprio credor, mas definida pelo mercado a partir das oscilações econômico-financeiras, uma vez que guarda exata correspondência com o índice de inadimplência, sendo que seu cálculo leva em consideração o custo do dinheiro captado pelos bancos” (REsp n. 1.978.445/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/10/2022, DJe de 28/10/2022). De todo modo, em que pese a existência de alguns precedentes nesse sentido, a Súmula ainda permanece hígida. 

Além disso, verifica-se a existência de certa regulamentação específica para os juros de mora, aplicável também aos contratos de mútuo celebrados pelas pessoas físicas com as instituições financeiras. Nesse sentido, o Código Civil de 2002 prevê algumas disposições relacionadas a essa espécie de juros, especificamente em seu art. 406: 

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. 

Do dispositivo acima transcrito, verifica-se que o Código Civil de 2002 conferiu às partes a liberdade de pactuarem entre si qual a taxa de juros de mora que deve incidir na inadimplência do contrato que celebram, sem uma limitação a princípio. 

Sendo assim, apenas quando as partes “não tiverem convencionado juros de mora”, ou “o tiverem sem taxa estipulada”, os juros de mora serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Desse modo, o Código Civil de 2002 conferiu às partes a possibilidade de contratarem livremente a taxa de juros moratórios, de tal modo que a taxa de juros de legal passou a ter caráter residual. 

Contudo, verifica-se que há uma controvérsia no Poder Judiciário em relação à taxa de juros devida para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. De um lado, há decisões que defendem a aplicação da taxa de 1% ao mês, nos termos do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. É o que se verifica, por exemplo, do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 727.842/SP, de relatoria do Ministro Humberto Gomes de Barros. De outro, há julgados que entendem pela aplicação da Taxa Selic, conforme se verifica do acórdão proferido pelo STJ no julgamento do EREsp 727.842/SP, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki. 

Nesse sentido, no julgamento da ADC 58, o Supremo Tribunal Federal, ao decidir que “deverão ser aplicados à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (art. 406 do Código Civil)”, sedimentou que a taxa prevista no referido art. 406 é a Selic, “considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais” (ADC 58, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-063 DIVULG 06-04-2021 PUBLIC 07-04-2021). 

Ainda, de modo semelhante ao que ocorreu em relação às Taxas CETIP e ANBID, há algumas normas que estabelecem ou pretenderam estabelecer limitações às taxas de juros e que foram objeto de discussão no Poder Judiciário, tendo sido afastada sua aplicação aos contratos de mútuo celebrados pelas instituições financeirasxxii

A norma provavelmente mais conhecida é o Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, conhecido como Lei da Usura, que dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras providências. Em seu art. 5º, o referido Decreto expressamente limita que os juros contratados não sejam superiores a 1% ao mês. Contudo, o STF, por meio da edição da Súmula 596, expressamente assentou que “as disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”. 

Sendo assim, estabeleceu-se que “existem dois sistemas regulatórios sobre a cobrança de juros: um para as pessoas físicas e jurídicas não ligadas ao sistema financeiro, e outra, quase que sem limites, para as instituições ligadas ao sistema financeiro nacional”xxiii. Ou seja, “Enquanto uma empresa do ramo comercial ou de serviços pode cobrar uma taxa máxima de 1% (um por cento) ao mês pelo inadimplemento do consumidor, um banco pode, por exemplo, cobrar uma taxa de 27% (vinte e sete por cento) pelo inadimplemento deste mesmo consumidor”xxiv

Além disso, o art. 192, § 3º, da Constituição Federal expressamente previa que as taxas de juros reais deveriam ser limitadas a 12% ao ano, referindo-se expressamente às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Contudo, além de esse dispositivo ter sido revogado pela Emenda Constitucional nº 40 de 2003, o Supremo Tribunal Federal assentou, por meio da Súmula Vinculante nº 7xxv, que a referida norma “tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar”.  

De modo semelhante, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sedimentou, por meio da Súmula nº 382, que “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”. 

Ainda, em relação à forma de cálculo das taxas de juros, dispõe o art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36/2001 que, “nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano”. Esse dispositivo também foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE 592.377, tendo sido assentada a sua constitucionalidade. O referido julgamento foi submetido à Repercussão Geral, representando o Tema 33 do Supremo Tribunal Federal (STF). 

Outro entendimento consolidado pelo STJ em relação às taxas de juros está previsto na Súmula 530 dessa Corte, no sentido de que: “Nos contratos bancários, na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada – por ausência de pactuação ou pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen, praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor”. 

Veja-se que a aplicação da taxa média do mercado para os juros remuneratórios possui caráter residual segundo a referida Súmula 530 do STJ, de modo semelhante ao que estabeleceu o art. 406 do Código Civil em relação à taxa de juros de mora. Disso decorre a conclusão de que tanto a lei quando o Poder Judiciário tem prestigiado, a princípio, o que efetivamente foi contratado entre as partes, deixando a aplicação das taxas legais ou aquelas que refletem a média do mercado apenas para exceções. 

Até então, poder-se-ia cogitar que não haveria, portanto, qualquer limitação a ser imposta nas taxas de juros praticadas pelas instituições financeiras quando expressamente contratadas. Afinal, não há Resoluções do Conselho Monetário Nacional nesse sentido; as outras normas que tinham essa pretensão foram afastadas pelo Poder Judiciário, e aquela que estabeleceu maior amplitude de incidência teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). 

Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 2.591/DF, assentou que “as instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor”xxvi. Assim, declarou que “consumidor, para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito”xxvii

Com isso, restou consolidado o que há muito se admitia tanto pela jurisprudência quanto pela doutrina: que as taxas de juros podem ser objeto de controle pelo Poder Judiciário sob a perspectiva da abusividade prevista no Código de Defesa do Consumidor, sendo esse o fundamento legal para as decisões acerca do assunto.  

Sendo assim, baseando-se na aplicabilidade do referido Código às relações bancárias é que o Superior Tribunal de Justiça proferiu o acórdão nos autos do REsp 1.061.530/RS, pela sistemática de recurso repetitivo, prevista no art. 543-C do CPC de 1973, correspondente ao art. 1.036 do CPC de 2015. 

O entendimento consolidado pelo STJ no referido julgamento pode ser sintetizado do seguinte modo: é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em contratos bancários em situações excepcionais, desde que caracterizada a sua abusividade no caso concreto, o que ocorre quando se verifica que a taxa foi estipulada em percentual que destoa de forma substancial da média de mercado à época da contratação para contratos da mesma espécie.  

Uma análise preliminar da jurisprudência do STJxxviii permite concluir que os dados que têm sido utilizados para a obtenção das “taxas praticadas pelo mercado” são aqueles divulgados pelo Banco Central do Brasil (BCB), sendo considerada como parâmetro a média aritmética dessas taxas.  

Ocorre que, “os critérios para identificação da abusividade, nesse caso, observam grave divergência”xxix, o que torna necessário trabalhar alguns aspectos envolvidos na tutela jurídica do crédito, bem como na aplicabilidade do CDC aos contratos bancários. 

Além disso, destaca-se que mais recentemente foi promulgada a Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, conhecida como Lei do Superendividamento, que alterou a “Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento”. 

A referida lei acrescentou dois novos capítulos ao Código de Defesa do Consumidor. No que se mostra pertinente para a pesquisa aqui proposta, tem-se o Capítulo VI-A, que trata da prevenção e do tratamento do superendividamento. Em síntese, apresenta seis artigos que têm como foco garantir que sejam colocadas à disposição do cliente todas as informações necessárias para o correto entendimento acerca do que está contratando ou sendo ofertado pela instituição financeira. Nesse ponto, vale destacar que o Código de Defesa do Consumidor já continha essa prescrição, mas de forma mais genérica e menos atenta ao mercado de crédito, de modo que essa nova regulamentação pretende trazer mais segurança jurídica para as contratações no âmbito desse mercado. 

Por fim, destaca-se que está em trâmite na Câmara dos Deputados Projeto de Lei Complementar sobre o assunto, de iniciativa do Deputado Marco Tebaldi, do PSDB/SC. Trata-se do PLP 529/2018, que pretende limitar a cobrança de taxa de juros nas operações realizadas no âmbito do sistema financeiro nacional a até duas vezes a meta da taxa Selic e, atualmente, encontra-se sujeito à apreciação do Plenário. 

Desse modo, conclui-se que atualmente não há regulamentação que imponha uma limitação específica de percentual ou de forma de incidência (se capitalizada ou simples) às taxas de juros remuneratórios constantes dos contratos de mútuo celebrados pelas instituições financeiras, de modo que ficou para o Poder Judiciário exercer o controle de abusividade estabelecido em abstrato pelo Código de Defesa do Consumidor para os contratos de consumo em geral.  

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