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TJSP fixa tese jurídica de impossibilidade de ajuizamento de ação de prestação de contas genérica

A Turma Especial de Direito Privado 2 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu provimento ao pedido formulado por instituição financeira em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), fixando a tese jurídica que impossibilita o ajuizamento de ação de prestação de contas por correntista de forma vaga e genérica.

O referido incidente (IRDR) originou-se de ação de prestação de contas ajuizada por empresa que mantinha diversas contas e havia celebrado sucessivos contratos de empréstimos com a instituição financeira ré. O pedido da parte autora, no entanto, se limitou a identificar apenas uma das relações jurídicas entre todos os contratos de crédito que celebrou ao longo do relacionamento comercial com o banco e o período dos lançamentos que pretendia ver esclarecidos.

A sentença, conquanto o banco réu tivesse defendido a inépcia da petição inicial, em razão de o pedido ser manifestamente genérico e indeterminado, rejeitou as preliminares e condenou a instituição financeira a prestar contas no prazo de 48 horas, sob pena de não lhe ser lícito impugnar as que a autora apresentasse.

Em face dessa sentença, a instituição financeira interpôs recurso de apelação, no qual renovou o pedido de reconhecimento da inépcia da demanda e, em paralelo, requereu a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Em razão da existência de diversos processos que continham controvérsia sobre a mesma questão, o incidente foi admitido (art. 976 do CPC), com o propósito de uniformizar a jurisprudência do TJSP acerca da possibilidade ou não do ajuizamento de ação de prestação de contas por correntista “sem o indicativo dos lançamentos reputados indevidos e/ou duvidosos, apurando-se se tal fato implicaria generalidade e indeterminação do objeto da ação e, por conseguinte, a extinção do feito sem resolução do mérito por falta de interesse de agir, nos termos do art. 485, inciso VI, do CPC”.

Nesse sentido, destacou a Relatora Lígia Araújo Bisogni que: “verifica-se a efetiva repetição de processos que tratam da mesma questão unicamente de direito, de forma que há risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, porquanto já identificadas decisões conflitantes, o que afeta a estabilidade e confiança que o jurisdicionado deposita na Justiça, pois, em determinadas demandas, os julgados admitem a ação de prestação de contas por correntista em face de instituição financeira, sem especificar o indicativo dos lançamentos reputados indevidos e/ou duvidosos, e em outras tantas rejeitam a pretensão ao fundamento da necessidade de especificação dos lançamentos reputados indevidos e/ou duvidosos”.

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O acórdão do IRDR destacou a evolução legislativa e jurisprudencial envolvendo a ação de prestação de contas, que já caminhava no sentido da necessidade de se apontar na petição inicial o indicativo dos lançamentos reputados indevidos e o período exato em que ocorreram.

De fato, o Código de Processo Civil de 1973 dispunha, sem mais detalhes, que a ação de prestação de contas era admitida para aquele que pretendesse exigir contas (art. 915) ou por quem estivesse obrigado a prestá-las (art. 916).

À vista desse texto legislativo e da Súmula 259 do STJ, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça parecia admitir abrangência mais ampla e genérica com relação à ação de prestação de contas. Contudo, o exame atento da jurisprudência do STJ revela que, conquanto o fornecimento dos extratos não exaurisse o interesse processual do correntista em pedir contas ao banco, cabia ao autor individualizar o lançamento cujo esclarecimento pretendia.

Essa orientação parece ter se consolidado, definitivamente, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a partir do julgamento do REsp nº 1.231.027/PR, em 12.12.12, no qual a 2ª Seção do STJ definiu a regra de que a ação de prestação de contas “não se destina à revisão de cláusulas contratuais e não prescinde da indicação, na inicial, ao menos de período determinado em relação ao qual busca esclarecimentos o correntista, com a exposição de motivos consistentes, ocorrências duvidosas em sua conta corrente, que justificam a provocação do Poder Judiciário”.

De então por diante, não houve decisões do STJ admitindo pedido genérico em ações de prestação de contas, assim entendido como aquele que não especifica, cumulativamente:

  • a relação jurídica objeto da lide;
  • o período discutido; e
  • a indicação dos lançamentos questionados pelo correntista.
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Essa evolução jurisprudencial não passou despercebida pelo legislador, que, já no Código de Processo Civil de 2015, resolveu ser mais atento à ação de prestação de contas do que fora o legislador do CPC/1973.

Tanto assim, que a lei federal passou a prever a regra segundo a qual “na petição inicial, o autor especificará, detalhadamente, as razões pelas quais exige as contas, instruindo-a com documentos comprobatórios dessa necessidade, se existirem” (art. 550, §1º).  Exige, ainda, que a impugnação às contas seja “fundamentada e específica, com referência expressa ao lançamento questionado” (art. 550, § 3º).

Para a Turma Especial do TJSP, portanto, a análise da evolução legislativa (CPC/1973 versus CPC/2015) e jurisprudencial (STJ e TJSP) acerca do cabimento da ação de prestação de contas revelou não haver espaço para petições iniciais genéricas, como aquela do processo que serviu de paradigma para o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.

Assim, no julgamento de tal incidente, os desembargadores da Turma Especial julgaram procedente o pedido formulado pela instituição financeira, fixando a tese jurídica “da impossibilidade de ajuizamento de ação de exigir contas por correntista de forma vaga e genérica, necessitando-se apontar na inicial o indicativo dos lançamentos reputados indevidos e/ou duvidosos e o período exato em que ocorreram, com exposição de motivos consistentes que justifiquem a provocação do Poder Judiciário”.

Em consequência, aplicou-se esse entendimento ao caso concreto (ação de prestação de contas), razão pela qual deu-se provimento ao recurso de apelação do banco (correspondente ao processo afetado).

O acórdão do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) transitou em julgado em 26 de junho de 2017, enquanto que a ação de prestação de contas transitou em julgado em 10 de agosto de 2018.

Para saber mais, confira a íntegra da decisão.

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