A estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente: Uma análise dos artigos 303 e 304 do Código de Processo Civil à luz da doutrina e da jurisprudência 

25 de dezembro de 2023

A Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil) inaugurou o instituto da estabilização da tutela ao inseri-lo no Livro V da Parte Geral, especificamente no Capítulo II, que trata da tutela antecipada requerida em caráter antecedente. 

O art. 304 do Código de Processo Civil prevê que a tutela antecipada concedida nos termos do art. 303 torna-se estável se, da decisão que a conceder, não for interposto o respectivo recurso. 

A redação adotada pelo legislador nos arts. 303 e 304 do Codex trouxe à tona uma série de discussões ainda muito vívidas no âmbito da doutrina e da jurisprudência formada em torno do assunto. Como se deve interpretar o vocábulo “recurso”? Trata-se de impugnação específica, ou em sentido amplo? Quais as consequências jurídicas da não interposição do recurso, ou outra forma de impugnação em face da decisão que concedeu a tutela antecipada em caráter antecedente? 

Outros questionamentos surgem ao se analisar os prazos fixados para a interposição do recurso e para o aditamento da petição inicial. Quais seriam as consequências da não interposição do recurso ou do não aditamento da petição inicial? E ambos juntos? 

Os efeitos da estabilização da tutela e a ação autônoma de impugnação prevista no §6º do art. 304 do CPC também merecem análise para melhor entendimento sobre o instituto criado pela Lei nº 13.105/2015. 

A tutela provisória concedida em caráter antecedente 

A tutela provisória concedida em caráter antecedente está incluída no universo das tutelas provisórias, que se dividem em tutelas de urgência e de evidência. A tutela provisória de urgência subdivide-se em cautelar e antecipada, que, finalmente, podem ser concedidas em caráter antecedente ou incidental. 

Cássio Scarpinella Bueno conceitua a tutela provisória como um “conjunto de técnicas que permite ao magistrado, na presença de determinados pressupostos, que gravitam em torno da presença da “urgência” ou da “evidência”, prestar tutela jurisdicional, antecedente ou incidentalmente, com base em decisão instável (por isto, provisória) apta a assegurar e/ou satisfazer, desde logo, a pretensão do autor” (BUENO). 

A tutela antecipada concedida em caráter antecedente pode ser definida como técnica processual que tem o objetivo de otimizar a prestação jurisdicional e manter os efeitos da tutela de forma atemporal. Ou seja, a regra que prevê a estabilização permite, “por um lado, eliminar a necessidade de discussão de uma questão que, diante da conduta do réu, não gera mais controvérsia, e, de outro, outorgar capacidade de produzir efeitos a uma decisão interna a um processo que resulta extinto sem resolução do mérito” (MARINONI, ARENHART). 

O Código de Processo Civil prevê que a tutela antecipada antecedente pode ser requerida nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação. Nessa hipótese, o autor poderá apresentar petição inicial que se limite ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, conforme determinado pelo art. 303 do Código de Processo Civil. 

Quanto ao procedimento, o legislador buscou regulamentá-los conforme textos dos parágrafos do referido art. 303.  

No caso de concessão, o autor deverá aditar a petição inicial para complementar sua argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final, no prazo de 15 (quinze) dias. Em seguida, o réu será citado e intimado para comparecer em audiência de conciliação ou mediação, oportunidade em que, não havendo autocomposição, iniciará o prazo para apresentação da contestação. 

O §2º do art. 303 prevê que, caso não seja aditada a petição inicial, o processo será extinto, sem resolução do mérito. 

Caso não seja concedida a tutela antecipada antecedente, o autor deverá emendar a petição inicial, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de indeferimento da inicial e de extinção do processo sem resolução do mérito, conforme prevê o §6º do referido artigo. 

O art. 304 do CPC retoma a hipótese de concessão da antecipação da tutela de forma antecedente e determina que a decisão se tornará estável quando não interposto o respectivo recurso. O §1º do dispositivo legal prevê que, na hipótese do ‘caput’, ou seja, caso não interposto o recurso, o processo será extinto. Nesse ponto, observa-se que a lei não explica a consequência da ausência de interposição de recurso quando há prévio aditamento da petição inicial, dúvida que surge em razão dos prazos para ambas as providências serem os mesmos (15 dias). 

  O artigo ainda prevê que a decisão que concede a tutela não faz coisa julgada, mas a estabilidade somente pode ser afastada por decisão que rever, reformar ou invalidar a decisão concessiva proferida em ação própria, que somente poderá ser ajuizada dentro do prazo de 2 (dois) anos contados da ciência da extinção do processo. 

Diante da análise dos dispositivos legais, é possível observar que a inovação da tutela antecipada antecedente relativamente ao regime das tutelas de urgência previsto no CPC de 1.973 reside na possibilidade de estabilização da medida na ausência de interposição de recurso em face da decisão que a concede. 

Os arts. 303 e 304 do Código de Processo Civil adicionaram importante instituto no processo civil, mas, ao mesmo tempo, criaram dúvidas que ainda não foram solucionadas por completo. 

Isso porque a ausência de interposição de recurso contra a decisão que concede a tutela antecipada em caráter antecedente apresenta duas consequências processuais. A primeira, conforme já exposto, é a estabilização da tutela (art. 304, caput, do CPC). No entanto, de forma aparentemente contraditória, o §1º do referido artigo prevê, como segunda consequência da ausência de recurso, a extinção do processo sem resolução do mérito. 

O problema também se estende para o aditamento da petição inicial, providência que deve ser adotada pelo autor no prazo de 15 (quinze) dias a contar do ajuizamento da medida visando à tutela antecedente, exatamente o mesmo prazo concedido ao réu para a interposição de recurso (se entendermos como aquele previsto no art. 1.015 do Código de Processo Civil, cabível contra as decisões interlocutórias). 

Na hipótese de não interposição do recurso e de não aditamento da petição inicial, o Código não esclarece qual será a consequência jurídica, visto que somente prevê a extinção da demanda, mas não explica se haverá a estabilização da tutela ou não. 

Outro ponto de debate se concentra nos efeitos que a extinção do processo sem resolução do mérito produzirá. O art. 304, §6º do CPC dispõe que a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do §2º do artigo. 

Logo, a estabilização da tutela antecipada antecedente somente pode ser revista mediante o ajuizamento de ação própria, que não se confunde com a ação rescisória, visto que não há formação de coisa julgada. 

Diante do surgimento de diversos questionamentos por parte dos aplicadores do direito, a doutrina se debruçou sobre o assunto e a jurisprudência apresentou algumas soluções para os conflitos enfrentados. 

As soluções construídas pela doutrina para resolver o impasse da estabilização da tutela 

Os problemas relativos à estabilização da tutela que surgiram com a edição do Código de Processo Civil de 2015 podem ser resumidos em quatro pontos: (i) o instrumento processual utilizado para obstar a estabilização, (ii) a consequência jurídica da ausência de impugnação da decisão concessiva, (iii) a consequência jurídica da ausência de aditamento da petição inicial e (iv) a demanda autônoma de impugnação após a extinção do processo sem resolução do mérito. 

Como esperado em situações em que a lei não define especificamente qual a consequência jurídica correspondente a determinada conduta processual, a doutrina apresenta entendimentos diversos sobre o mesmo tema. 

Um dos pontos de maior divergência entre os doutrinadores que se dedicam ao estudo da estabilização da tutela está no entendimento sobre o vocábulo “recurso” adotado no caput do art. 304 do Código de Processo Civil. 

Uma primeira parcela da doutrina, cujo entendimento pode ser exemplificado pela corrente defendida por BEDAQUE, interpretam que o legislador utilizou o termo recurso no estrito significado técnico, ou seja, aquele previsto no art. 994 do Código de Processo Civil. Para esta parcela da doutrina, a decisão prolatada pelo juiz singular que concede a tutela antecipada antecedente deve ser enfrentada por agravo de instrumento, nos termos do art. 1.015, inciso I, do Código de Processo Civil. Por outro lado, contra a decisão monocrática proferida por relator em processos de competência originária do Tribunal de Justiça deve ser interposto o agravo interno, previsto no art. 1.021 do CPC. 

Esse raciocínio conduz ao entendimento de que somente um recurso seria capaz de obstar a estabilização da tutela. E uma das justificativas para esse entendimento está na redação aprovada no processo legislativo da Lei nº 13.105/2015 que, de início, utilizou termo mais abrangente para definir o instrumento jurídico que obstaria a estabilização, qual seja, “impugnação”, mas, após, houve alteração para expressão “recurso” (NUNES, ANDRADE), que restou aprovada e promulgada. 

Desse modo, parte da doutrina defende que o art. 303 deve ser lido de forma literal, a fim de que seja dado estrito cumprimento à vontade do legislador. 

Por outro lado, existem aqueles que entendem que qualquer forma de impugnação contra a decisão concessiva deve ser suficiente para a obstar a estabilização da tutela, por meio da apresentação da contestação ou mera petição simples.  

Isso porque “a estabilização da tutela antecipada é rigorosamente dependente do total conformismo do réu, que, não recorrendo, não contestando e não opondo qualquer resistência, sujeita-se a ela e aos seus efeitos duradouros” (DINAMARCO). 

Este segundo grupo de doutrinadores defende que o inconformismo do réu pode ser manifestado de diversas formas nos autos, na medida em que a concessão da tutela antecipada antecedente somente requer a comprovação do perigo do dano e a probabilidade do direito do autor, ou seja, não há análise exauriente do mérito. Não obstante, a consequência da estabilização é grave porque apesar de não formar coisa julgada, extingue a demanda e a decisão concessiva somente poderá ser revisada após o ajuizamento de ação autônoma. 

Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart defendem a leitura abrangente do termo “recurso” justamente pela análise sumária que é realizada na decisão liminar, de forma que os riscos advindos da estabilização da tutela possam ser mitigados. 

A técnica da estabilização da tutela, em boa e adequada teoria, deve ser utilizada apenas diante de particulares situações de direito substancial ou de situações gerais que revelem a “evidência do direito”, como ocorre no procedimento monitório. (…) Sucede que a técnica do art. 304, além de indiferente ao direito material, não se baseia na evidência do direito alegado. Trata-se de técnica fundada em perigo de dano, a justificar a sumarização da cognição para a concessão da tutela. 

Nessa medida, na hipótese de concessão da tutela em que o réu se insurge por meio de petição simples e posteriormente perde o prazo para a interposição do agravo de instrumento, a tutela não poderá ser estabilizada e não poderá o processo ser extinto. 

Além disso, há que se ressaltar que a interposição do recurso tão somente para obstar a estabilização da tutela não respeita os princípios da celeridade e da economia processual, visto que poderá ser inaugurada uma fase recursal com o único intuito de obstar o fenômeno processual, na medida em que o mérito da demanda poderá ser discutido nos autos, caso o autor adite a petição inicial. 

Aqui não se está analisando a justiça da decisão que concede a tutela antecipada antecedente, que poderá ser enfrentada por recurso, mas o efeito da estabilização da tutela pelo simples fato de não ter sido interposto o recurso em face da decisão. 

Como dito, a consequência da ausência de interposição do recurso é gravosa, porque o §1º do art. 304 prevê que o processo será extinto, sem resolução do mérito, e a decisão somente poderá ser revista, reformada ou invalidada mediante o ajuizamento de ação judicial no prazo de 2 (dois) anos, a contar da ciência da extinção do processo. 

É evidente que o interessado poderá tratar das mais variadas matérias de mérito ou processuais em referida ação, mas a restrição imposta pelo legislador denota a necessidade de superar o óbice consistente no ajuizamento de nova demanda, impossibilitando a discussão da matéria nos mesmos autos. 

Outro ponto que causa dúvida no tocante à extinção do processo refere-se à hipótese em que o réu não interpõe o respectivo recurso, mas o autor adita a petição inicial com o intuito de prosseguir com a análise do mérito da lide e posterior formação de coisa julgada. Entende-se que, nesta hipótese, é necessário o prosseguimento do feito, tendo em vista que o autor não poderá ser obrigado a se contentar com a estabilização, que não forma coisa julgada e poderá ser futuramente impugnada pelo réu por meio da ação autônoma. 

Por outro lado, no caso em que o réu impugna a decisão que concede a tutela antecipada antecedente, por meio de recurso ou outra forma de manifestação de irresignação, e o autor deixa de aditar a petição, o legislador não esclarece qual seria a consequência jurídica adotada. Um entendimento possível levaria à conclusão de que, não aditada a inicial, o feito deveria ser extinto, reputando-se prejudicado o recurso interposto contra a decisão que concedeu a tutela antecedente. 

Diante disso, para que as partes estejam seguras de que suas teses serão devidamente apreciadas pelo Judiciário e a solução da controvérsia se dará de forma definitiva, com a formação da coisa julgada material, o Código de Processo Civil obriga o autor a aditar a petição inicial e o réu a interpor recurso em face da decisão que concede a tutela antecipada antecedente. 

Caso contrário, com a extinção da demanda e a estabilização da tutela antecipada antecedente, quaisquer das partes somente poderá rever a decisão, por qualquer fundamento, em ação autônoma e dentro do prazo de 2 (dois) anos. 

E, nesse contexto, o questionamento que surge se refere ao transcurso do prazo assinalado. Ora, após o prazo de 2 (dois) anos, deve-se considerar que a decisão formou coisa julgada ou somente extinguiu-se o direito de rever a decisão? Novamente, o Código de Processo Civil não apresenta uma solução clara para o questionamento. 

O art. 304, §6º do CPC prevê expressamente que “a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo”. Ou seja, nada é esclarecido sobre a manutenção da estabilização da decisão após os 2 (dois) anos fixados no parágrafo anterior. 

Coube à doutrina ponderar que o transcurso do prazo não faz coisa julgada e a questão jurídica decidida como prejudicial à concessão da tutela pode ser reanalisada como pedido ou nova questão prejudicial em ação judicial de cognição exauriente (MARINONI, ARENHART). 

Diante das diversas controvérsias que surgiram em torno da estabilização da tutela antecipada antecedente ao longo do tempo, as discussões inauguradas foram levadas ao Poder Judiciário que, conforme se verá a seguir, ainda não sedimentou jurisprudência firme sobre o tema da estabilização.  

Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca dos meios de impugnação da decisão que concede a tutela antecipada antecedente  

Entre os aspectos da estabilização da tutela que gera a maior divergência de posicionamento está a interpretação dada ao recurso previsto no caput do art. 304 do CPC. Como visto, parte da doutrina entende que o artigo deve ser lido de forma restritiva, enquanto outra parte entende que a interpretação ampliativa é a mais adequada. 

O posicionamento divergente também é observado no Poder Judiciário. Ao analisar dois julgados de turmas diferentes do Superior Tribunal de Justiça, identifica-se que cada uma apresenta um entendimento diferente sobre o meio de impugnação adequado para obstar a estabilização da tutela antecipada antecedente. 

Em acórdão proferido pela Primeira Turma do STJ no julgamento do recurso especial nº 1.797.365/RS é possível observar a aplicação da interpretação restritiva do caput do art. 304 do CPC. 

PROCESSUAL CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. I – Nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil de 2015, a tutela antecipada, deferida em caráter antecedente (art. 303), estabilizar-se-á, quando não interposto o respectivo recurso. II – Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. Institutos inconfundíveis. III – A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão. IV – A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento processual adequado – o agravo de instrumento. V – Recurso especial provido. 

No caso em apreço, diante da ausência de interposição de recurso em face da decisão que concedeu a tutela antecipada em caráter antecedente, o juízo de primeiro grau proferiu sentença de extinção do feito sem resolução do mérito. Em julgamento de apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reformou a sentença para determinar o prosseguimento da ação. Esse também foi o entendimento do Ministro Sérgio Kukina, relator do recurso especial. 

Entretanto, em divergência inaugurada pela Ministra Regina Helena Costa, a turma julgadora, por maioria de votos, aplicou interpretação restritiva ao dispositivo de lei e defendeu que a estabilização da tutela ocorrerá não interposto o respectivo recurso, no caso, o agravo de instrumento. E, por consequência, a sentença proferida em primeiro grau teria se demonstrado correta, de modo que a parte interessada somente poderia requerer a revisão da decisão que estabilizou a tutela por meio de ação autônoma, dentro do prazo de 2 anos, nos termos do art. 304, §§ 2º a 6º, do CPC. 

O fundamento utilizado no voto da Ministra Regina Helena Costa pode ser resumido no entendimento de que “a interpretação ampliada do conceito, efetuada pelo tribunal de origem, caracterizaria indevida extrapolação da função jurisdicional”. 

Por outro lado, em análise de situação processual idêntica, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça apresentou entendimento diametralmente oposto. No julgamento do recurso especial nº 1.760.966/SP é possível observar a aplicação de interpretação sistemática e teleológica do art. 304 do CPC, visto que a turma julgadora, por unanimidade, entendeu que a apresentação de contestação em que o réu impugna expressamente a decisão que concedeu a tutela antecipada antecedente deve obstar a estabilidade, mesmo na ausência de interposição de agravo de instrumento. 

RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU QUE REVOGOU A DECISÃO CONCESSIVA DA TUTELA, APÓS A APRESENTAÇÃO DA CONTESTAÇÃO PELO RÉU, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRETENDIDA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. EFETIVA IMPUGNAÇÃO DO RÉU. NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. A controvérsia discutida neste recurso especial consiste em saber se poderia o Juízo de primeiro grau, após analisar as razões apresentadas na contestação, reconsiderar a decisão que havia deferido o pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, nos termos dos arts. 303 e 304 do CPC/2015, a despeito da ausência de interposição de recurso pela parte ré no momento oportuno. 2. O Código de Processo Civil de 2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303, o qual estabelece que, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial poderá se limitar ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. 2.1. Por essa nova sistemática, entendendo o juiz que não estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada, o autor será intimado para aditar a inicial, no prazo de até 5 (cinco) dias, sob pena de ser extinto o processo sem resolução de mérito. Caso concedida a tutela, o autor será intimado para aditar a petição inicial, a fim de complementar sua argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final. O réu, por sua vez, será citado e intimado para a audiência de conciliação ou mediação, na forma prevista no art. 334 do CPC/2015. E, não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 do referido diploma processual. 3. Uma das grandes novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015. 3.1. Segundo os dispositivos legais correspondentes, não havendo recurso do deferimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução de mérito. No prazo de 2 (dois) anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de ação autônoma para esse fim. 3.2. É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que “a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso”, a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. 4. Na hipótese dos autos, conquanto não tenha havido a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, a ré se antecipou e apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença. 5. Recurso especial desprovido. 

O acórdão ressalta que a estabilização da tutela somente pode ocorrer se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de recursos que sobrecarregam o Poder Judiciário, além do ajuizamento da ação autônoma, sendo que seria possível a discussão da matéria nos próprios autos. 

À vista dos entendimentos expressados nos dois acórdãos, julgados por turmas diferentes do mesmo tribunal, que possui a função de uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil, conclui-se que a matéria permanece altamente controvertida. E, apesar de a intenção do legislador ter sido a de facilitar o trâmite processual de situações jurídicas que abarcam a estabilização, as disposições legais se revelaram imprecisas, o que causa maior controvérsia entre as partes e julgadores.  

Conclusão 

O estudo da tutela antecipada requerida em caráter antecedente e do fenômeno da estabilização revela que a problemática criada pela redação dos arts. 303 e 304 do Código de Processo Civil está longe de ser solucionada. Além da controvérsia instaurada em razão das previsões dúbias e inconclusivas, é possível observar que o procedimento conflita com os princípios fundamentados pelo próprio Código de Processo Civil de 2015.  

A limitação da insurgência contra a decisão que defere a tutela antecipada em caráter antecedente, a fim de obstar sua estabilização, somente com a interposição de recurso, se demonstra ineficiente, na medida em que atravanca o procedimento e congestiona os Tribunais de Justiça, que já se encontram com elevado número de julgamentos.  

Além disso, o §1º do art. 304 apresenta consequência drástica no caso de ausência de interposição de recurso, qual seja, a extinção da ação sem resolução do mérito. Essa determinação legal fere o princípio da primazia da decisão de mérito, na medida em que obriga a parte a interpor recurso, ainda que esta não seja sua intenção.  

Os problemas apresentados podem ser sanados com a adoção de interpretação ampliativa da expressão “respectivo recurso”, mas, atualmente, a questão também se revela controvertida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que possui a competência constitucional de uniformizar a interpretação da lei federal. 

Para a adequada solução da lide submetida ao Poder Judiciário, a decisão de mérito deve ser a prioridade para as partes e para o juiz, perseguida por meio de procedimento eficiente, sem que exista a obrigatoriedade de adoção de expedientes dispensáveis para a adequada tutela dos direitos e interesses em análise. 


Referências

BRASIL. Lei nº 13.105, 16 de janeiro de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 11 dez. 2023. 

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.797.365/RS. Recorrente: Banco Cooperativo Sicredi S.A. Recorrido: Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Regina Helena Costa. DJe: Brasília, DF, 22 out. 2019. 

______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.760.966/SP. Recorrente: Lenyara Sabrina Lucisano. Recorrido: Pallone Centro Automotivo Comercio e Importação. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze. DJe: Brasília, DF, 07 dez. 2018. 

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Comentários ao Código de Processo Civil: volume 1 – arts. 1ª a 317. Cassio Scarpinella Bueno (coordenador). São Paulo: Saraiva, 2017. 

BUENO, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei n. 13.105, de 16-3-2015. São Paulo: Saraiva, 2015. 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil: volume III. São Paulo: Malheiros, 2019. 

MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 294 e 333. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.  

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