Banking – Sistema financeiro e mercado de capitais, Decisões, Direito do consumidor, Moeda e crédito

Ação rescisória não pode ser liminarmente indeferida por fundamento que se confunde com mérito da causa

O Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso especial interposto por instituição financeira para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que havia mantido, em sede de agravo interno, decisão que rejeitou liminarmente ação rescisória porque o Relator não vislumbrara a violação à lei sustentada pelo autor da ação.

A controvérsia teve início em abril de 2009, quando uma pessoa jurídica ajuizou ação revisional do contrato de conta corrente que mantinha com a instituição financeira requerida desde 02.05.2000, pretendendo a repetição dos juros remuneratórios que lhe foram cobrados pelo banco de forma capitalizada e com prazo inferior a um ano.

Apesar de o contrato ter sido celebrado após 31.03.2000 – data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17/2000, que passou a permitir a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (art. 5º) – a autora obteve a condenação do banco a lhe devolver os juros que cobrou nesse sentido, em dobro e acrescidos das taxas cobradas pelo banco nas suas operações ativas.

Segundo os cálculos da própria autora que instruíram o pedido de cumprimento da sentença, esses encargos teriam feito com que os R$21.555,96 (valores apurados para outubro de 2008) que ela pagou de juros capitalizados mensalmente saltassem a R$4.244.736,11 (para 06.01.2014).

Intimado para pagamento desse valor, o banco se defendeu e demonstrou que as partes haviam chegado a uma composição na execução que ele próprio movia contra a cliente, pela qual a devedora reconheceu que devia esses valores ao banco e havia, inclusive, pago R$8 mil para obter a quitação de sua dívida.

Intimada a se manifestar sobre esse fato, a autora da ação negou que tivesse celebrado o acordo e passou a sustentar que o débito do banco teria subido para R$10.369.089,24 (19.05.2014), valor atualizado pelos mesmos critérios anteriores e acrescido de multas e honorários para a fase de execução. Pediu, ainda, a penhora de ativos financeiros do banco até esse montante, o que foi deferido.

Tendo havido o bloqueio desse valor, via BacenJud, o banco impugnou o cumprimento de sentença, sustentando a nulidade das decisões proferidas na fase de conhecimento; defendeu, porém, que, ainda que elas fossem mantidas, o valor a repetir seria de R$919.831,32, importância que o banco teve que pagar à autora como condição para que o TJPR lhe concedesse a liminar suspendendo a execução.

Leia também:  TJPR nega pedido de indenização decorrente de suposta publicidade abusiva de instituição financeira a alunos universitários

Em paralelo, o banco executado ajuizou ação rescisória das decisões proferidas na fase de conhecimento, defendendo:

  • erro de fato, já que o contrato celebrado entre as partes previa a capitalização mensal das taxas de juros; e
  • violação de normas jurídicas, a saber:
    • o art. 5º, da MP 2.170-36/01, que reeditou a MP 1.963-17, que autoriza a cobrança de juros capitalizados em período inferior ao anual;
    • o art. 42, do CDC e o art. 884, do Código Civil, porque determinada a restituição em dobro dos valores cobrados nos estritos termos do contrato;
    • o art. 4º, VI e VIII, da Lei 4.595/64, que veda acrescer juro remuneratório a depósito em conta corrente;
    • o art. 404, do Código Civil, ao se deferir à devedora a restituição do que se apurou como tendo sido pago de forma indevida acrescido de juros remuneratórios às mesmas taxas praticadas pelas instituições financeiras (art. 1º da Lei de Usura c.c. arts. 406 e 501, do CC).

 

Ao receber a ação rescisória, o seu Relator no TJPR indeferiu, de plano, a inicial, por entender que não seria possível aferir a ocorrência dos vícios apontados pelo banco.

Com relação ao erro de fato, decidiu que “a referida cláusula contratual, nos termos em que redigida, não pode ser entendida nos termos e na forma como afirma e pretende o Autor […] porque não informa o consumidor, com relação aos encargos cobrados, com a necessária e suficiente clareza e sem margem de dúvidas”.

Quanto à alegação de violações a diversas leis, afirmou que “não presente a hipótese prevista no art. 485, V, do CPC, objetivando o Autor apenas rediscutir a matéria, deve ser indeferida a inicial, neste ponto”.

O banco, autor da ação rescisória, interpôs agravo interno, requerendo que a turma julgadora sanasse a violação da decisão agravada (que indeferia a inicial da rescisória), conforme:

  • os arts. 488 e 490, do Código de Processo Civil de 1973, então vigente (art. 968, §3º, do CPC/2015), e que estabeleciam, taxativamente, os motivos que poderiam ensejar o indeferimento da inicial de ação rescisória; e
  • os arts. 491e 493 (CPC/1973), que impunham ao relator da ação rescisória o dever de, uma vez ausentes os defeitos dos arts. 488 e 490 do CPC, citar o réu, assinalando prazo para sua resposta, e, depois de concluída a instrução, proceder ao julgamento “conforme dispuser a norma de Organização Judiciária”, observando que, no particular, o Regimento Interno do TJPR prevê que:
    • “às Câmaras Cíveis em Composição Integral [e não a um Relator isolado] compete processar e julgar: (…) as ações rescisórias dos acórdãos das Câmaras Cíveis Isoladas” (arts. 87, inc. X, 204 e 324, do Regimento Interno do TJPR).
Leia também:  STJ afasta aplicação da Lei da Usura em contrato bancário que não fixou juros remuneratórios

Como a decisão foi mantida, mesmo após a oposição de embargos de declaração para que se obtivesse o prequestionamento expresso desses e de outros dispositivos legais invocados pelo banco, este se viu obrigado a interpor recurso especial e a pedir a anulação dos acórdãos anteriores.

O recurso especial não foi admitido pela Presidência do TJPR, porém a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça converteu o agravo (AREsp 980.117-PR) interposto pelo banco no próprio recurso especial (REsp 1.752.891-PR), e a ele deu provimento, para afastar o indeferimento liminar da inicial da ação rescisória e determinar seu julgamento pelo colegiado, ao fundamento de que “a ação rescisória não pode ser liminarmente indeferida com base em fundamento que se confunde com o próprio mérito da causa”.

Prosseguiu o Relator, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, que o Superior Tribunal de Justiça, “na esteira do que afirmado pelo recorrente, efetivamente identifica afronta aos artigos 267, 295 e 490 do CPC/73 quando, procedendo-se ao julgamento no mérito da ação rescisória, mesmo que parcial, conclua-se no sentido de indeferir a petição inicial, extinguindo-se a ação sem resolução de mérito”.

Referiu, ainda, precedentes do próprio Superior Tribunal de Justiça em igual sentido: REsp 938.660/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25.09.2007, DJ 15.10.2007, p. 268; REsp 116.402/MG, Rel. Ministro Ari Pargendler, Segunda Turma, julgado em 03.11.1997, DJ 24.11.1997, p. 61169; AgRg no REsp 1212415/RJ, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 20.11.2012, DJe 27.11.2012; e REsp 888.900/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 19.10.2010, DJe 28.10.2010.

Para saber mais, confira a íntegra da decisão.

Voltar para lista de conteúdos