A aplicabilidade das medidas executórias atípicas

Considerações Iniciais  

 A atipicidade dos meios executórios, além de ser um dos principais norteadores da execução, é bastante efetiva na busca da satisfação do crédito.  

Consideram-se como meios executivos medidas atribuídas pelos juízes   as quais visam à satisfação do direito. Estas podem ser típicas, ou seja, expressamente descritas em lei, ou atípicas.   

O principal dispositivo legal que fornece embasamento à atipicidade dos meios executórios é o art. 139, inciso IV, do Código de Processo Civil, que assim dispõe:   

“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: 

IV – Determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;” 

Atualmente a jurisprudência, principalmente sob a ótica do Tribunal de Justiça de São Paulo, vem considerando com frequência a aplicação das seguintes medidas atípicas executórias: cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), apreensão de passaporte e bloqueio de cartão de crédito. 

É importante esclarecer que a atribuição de tais medidas não satisfaz diretamente à execução, entretanto, serve de mecanismo para pressionar o devedor ao cumprimento da obrigação, e, consecutivamente, à satisfação do crédito.   

Adverte-se ainda que as medidas em comento devem ser aplicadas em face daquele devedor que não adimpliu a obrigação voluntariamente, e, principalmente, nos casos que simplesmente oculta seu patrimônio para que são seja expropriado, diferentemente daquele devedor que não cumpre a obrigação por falta de recursos.  

 Título Executivo e Instrumentos de Sanção Executiva  

Em um primeiro momento, quando o devedor não cumprir espontaneamente a obrigação, o credor irá se socorrer do Poder Judiciário, visando sua satisfação, confiando na utilização de todos os meios legalmente previstos para promover a execução. 

O direito do credor é resguardado através de um título executivo, que pode ser judicial ou extrajudicial, e deverá ser revestido de três requisitos indispensáveis: certeza, exigibilidade e liquidez. Assim, para que o Estado Juiz possa realizar sanções executivas típicas, como expropriação, penhora, busca e apreensão, astreintes, arresto, ou outras medidas executivas chamadas de atípicas, tais como a cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), apreensão de passaporte, bloqueio de cartão de crédito, é necessário o cumprimento de tais requisitos.  

Sopesamento dos Princípios Norteadores da Execução Civil  

A questão preambular para a utilização das medidas executórias atípicas depende do sopesamento dos princípios que embasam e norteiam a execução, principalmente entre os princípios da efetividade e da menor onerosidade, bem como da utilidade e da boa-fé processual, que deverão ser analisados em cada caso concreto.  

Quanto ao princípio da efetividade, primordial na ótica do exequente, não se pode esquecer que o objeto final do processo de execução é entregar ao credor o que ele tem direito a receber; logo, as medidas adotadas durante o processo devem ter alguma utilidade prática para beneficiar o credor, e não servir de meios inúteis para a satisfação do crédito.  

Por outro lado, o princípio da menor onerosidade, está insculpido no art. 805 do Código de Processo Civil (“Artigo 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado”). Por esse princípio, o devedor deverá sofrer apenas o necessário na busca da satisfação do direito do credor, dessa forma, sempre quando houver vários meios de satisfação do crédito, deve-se procurar aquele menos oneroso, gravoso ao executado.  

Outro princípio norteador que não pode ser esquecido é o da lealdade e boa-fé processual, em que o executado irá em desencontro desse princípio caso adote qualquer uma das medidas dispostas no art. 774 do Código de Processo Civil, a saber, condutas consideradas atentatória à dignidade da justiça. 

Em suma, não seria justo com o credor, que possui o direito reconhecido ao recebimento de certa quantia, ou ao cumprimento de uma obrigação, principalmente nos casos em que há clara ocultação de patrimônio, não poder se valer da utilização de tais medidas executórias atípicas, mesmo que sejam medidas mais invasivas, pois nesse caso indiscutivelmente tal conduta estaria em dissonância com lealdade e boa-fé processual. 

Desta feita, o Poder Judiciário deverá sopesar os princípios em cada caso concreto, de um lado resguardar e fazer cumprir o direito do credor e do outro não ultrapassar e invadir os direitos do devedor.  

Posicionamento Jurisprudencial 

Acerca da jurisprudência, verificamos que não há um posicionamento pacífico acerca do tema, já que os Magistrados verificam todas as circunstâncias do caso concreto antes de decidir sobre o deferimento ou não da medida executória atípica. 

Entretanto, a título de exemplo, podemos citar uma decisão que foi proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no RHC nº 99.606/SP, em que a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso em Habeas Corpus, e manteve o bloqueio do passaporte, pois o devedor não indicou meios menos onerosos e mais eficazes para quitar a dívida inadimplida.  

Verifica-se assim uma propensão maior no deferimento de tais medidas nos casos de ocultação de patrimônio, ou desinteresse na satisfação da crédito, inclusive sob uma alegação de “interesse público, que com o prestígio da atividade jurisdicional do Estado, que os credores, como tais ditos pela Justiça, recebam o que lhes cabe”, conforme acórdão que deu provimento ao agravo de instrumento que determinou a Suspensão de CNH, apreensão de passaporte e cancelamento de cartões de crédito (TJSP;  Agravo de Instrumento 2055007-74.2022.8.26.0000; Relator (a): Cesar Ciampolini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 26ª Vara Cível; Data do Julgamento: 23/05/2022; Data de Registro: 23/05/2022). 

Em contrapartida, o principal argumento para o indeferimento das medidas executórias atípicas é que estas não guardam relação direita com o objetivo da execução – a satisfação do crédito – , e não são proporcionais e razoáveis, ferindo inclusive princípios constitucionais como a dignidade humana e o direito a locomoção. 

Vale destacar que devido à importância do assunto, o Superior Tribunal de Justiça afetou o tema para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, e selecionou dois recursos de relatoria do Ministro Marco Buzzi, os Recursos Especiais nsº 1.955.539/SP e 1.955.574/SP, como representativos da controvérsia, e determinou a suspensão de todos os processos que versem sobre a aplicabilidade das medidas executórias atípicas.  

Cadastrado com o tema n.º 1.137 do STJ, o assunto aguarda julgamento e certamente trará maior segurança jurídica acerca da aplicabilidade e sua extensão, uniformizando as decisões dos Tribunais.  

  • Conclusão 

Feita tais considerações acerca das medidas atípicas executórias, pode-se observar que diversos são os motivos para que tais medidas sejam deferidas ou indeferidas. O ponto central acerca do tema (se tais medidas podem ser aplicadas visando à satisfação do crédito) dependerá de cada caso concreto, ou seja, não há uma diretriz que apontará se será ou não sempre aplicada.  

Indispensável se faz a ponderação dos princípios norteadores da execução, tendo em vista que o que se busca é a efetividade do procedimento, com a satisfação da obrigação, não podendo esquecer que há princípios que protegem o executado, como o da menor onerosidade, e princípios que regem o processo tais como a razoabilidade e proporcionalidade.  

Verifica-se que, embora as medidas estabelecidas pelo juiz não tenham uma efetividade direita com a obrigação que o credor pretende que seja satisfeita, a atribuição de medidas atípicas, como, por exemplo, a cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), apreensão do passaporte ou bloqueio do cartão de crédito, poderá induzir o devedor a cumprir a obrigação. 

Vale destacar que muitos doutrinadores entendem que tais medidas executórias atípicas apenas podem ser aplicadas após as medidas típicas terem sido consideradas ineficazes ou incapazes de satisfazer a pretensão do credor, que é a satisfação do crédito, logo não seria cabível a aplicação inicial de tais medidas por parte do Magistrado. 

Com a possibilidade de atribuição das medidas executórias a partir do art. 139, IV do Código de Processo Civil, elas devem ser observadas com muita atenção, sendo objeto de grande valia na utilização prática, a depender do caso concreto, sob pena inclusive de descredito do Poder Judiciário no caso de indeferimento, tendo em vista que o credor se socorreu da máquina judiciária para o cumprimento da obrigação anteriormente assumida, e o fato da não permissão de medidas atípicas que buscam a efetividade, causariam frustação ao direito do credor.  

Por fim, diante das divergências nas decisões dos Tribunais, o julgamento dos Recursos Especiais nsº 1.955.539/SP e 1.955.574/SP será determinante para estabelecer a sua aplicabilidade e uniformizar a jurisprudência no território nacional.  

Autora: Fernanda Santos Ferreira

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