A participação pública buscada pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários como exemplo de regulação responsiva 

A regulação, que pode ser definida como um processo de produção de normas por entidades autônomas que visam a assegurar a estabilidade e coerência de determinados ambientes regulados, desempenha um papel fundamental na governança econômica e na proteção dos interesses públicosi. Ao longo dos anos, a discussão em torno dos modelos regulatórios tem evoluído, especialmente no que diz respeito à participação pública e à autorregulação. 

Nesse contexto, este artigo tem como objetivo analisar a participação pública buscada pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários durante o processo de edição da Resolução CVM 175/2022, tendo como exemplo de aplicação do modelo regulatório segundo as recomendações da regulação responsiva. 

A CVM – Comissão de Valores Mobiliários, como órgão regulador do mercado de valores mobiliários no Brasil, desempenha um papel crucial na definição de normas e regulamentações para garantir a transparência, a segurança e a eficiência desse mercado. Nesse sentido, a CVM reconhece a importância da participação dos diferentes atores envolvidos, incluindo investidores, instituições financeiras e demais agentes do mercado, no processo de elaboração dessas regulamentações. A participação pública é vista como uma forma de envolver os stakeholders relevantes, buscando uma maior legitimidade, efetividade e adequação das normas regulatórias. 

Por essa razão, a Resolução CVM 175, de 2022, que dispõe sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento e, ainda, sobre a prestação de serviços para os fundos, representa um caso de estudo interessante para examinar como a CVM buscou implementar as recomendações da regulação responsiva quando buscou a ampla participação pública no processo de produção da norma. 

Mediante a realização de audiências públicas e da análise de contribuições dos participantes, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários demonstrou seu esforço em buscar o engajamento e a colaboração dos interessados na definição das regras que afetam diretamente o setor de fundos de investimentos. 

Ao analisar a participação pública buscada pela CVM e como isso se relaciona com os princípios da regulação responsiva, este estudo contribui para a compreensão dos desafios e das oportunidades associados a essa abordagem regulatória. Além disso, o presente artigo demonstra a importância da transparência, da participação inclusiva e da responsabilidade compartilhada entre o regulador e os regulados na construção de um ambiente regulatório legítimo e mais eficaz. 

Além disso, o presente artigo está organizado da seguinte forma: na seção seguinte, serão apresentados os principais conceitos teóricos relacionados à regulação responsiva e à participação pública. Em seguida, a apresentação das funções da CVM e seu  processo de elaboração da Resolução CVM 175/2022, destacando os mecanismos de participação pública utilizados. E, por fim, serão apresentadas as considerações finais, comparando os principais conceitos teóricos relacionados à regulação responsiva e à participação pública buscada pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários visando mais eficácia e legitimidade para a atualização das regras sobre fundos de investimentos. 

Regulação Responsiva e Participação Pública

Apesar da dificuldade de significar o fenômeno da Regulação, entende-se como tal um conjunto de regras, normas e mecanismos estabelecidos pelo Estado ou outras autoridades governamentais para governar e “controlar” atividades e comportamentos em uma determinada área ou mercado. A regulação pode abranger diversos setores e áreas da sociedade, como economia, meio ambiente, saúde, segurança, transporte, comunicações, energia etc., podendo envolver a criação de leis, decretos, regulamentos e resoluções que estabeleçam diretrizes e regras a serem seguidas pelos agentes regulados (pessoas, empresas ou organizações)ii

Em regra, a regulação busca equilibrar os interesses públicos e privados, garantindo a proteção dos direitos individuais e coletivos, além de promover o desenvolvimento sustentável e o bem-estar da sociedade como um todo. 

Além do propósito de controlar, ordenar ou influenciar o comportamento de terceiros, existem outros elementos que caracterizam a regulação. Evidencia-se que a regulação, em sua acepção mais fundamental, é percebida como um processo em constante retroalimentação, no qual a decisão é continuamente avaliada pelos seus efeitos, levando a contínuos ajustes na atitude e tomada de decisões do regulador. Essa dinâmica é caracterizada por um planejamento e gerenciamento da realidade, em uma cadeia infinita de ações e reaçõesiii

Não se pode deixar de observar que é na atividade econômica que a regulação revela sua manifestação mais visível, em que se amplia o seu alcance não para apenas criar comando jurídicos para corrigir uma atividade regulada disfuncional, mas também para planejar e gerenciar atividades de interesses, ou seja, o Poder Público como partícipe do setor reguladoiv

Existem diversas teorias regulatórias que visam a compreender e explicar os fundamentos, as formas e os efeitos da regulação no contexto jurídico. Essas teorias são desenvolvidas por estudiosos do direito e do campo da regulação, e oferecem diferentes perspectivas sobre como esta funciona e qual é o seu papel na sociedade. Exemplos de teorias que fornecem perspectivas únicas para a compreensão dos desafios, as estruturas e impactos da regulação na sociedade são as teorias da escolha pública, da regulação econômica, da captura regulatória, da regulação responsiva e regulação inteligente. 

Para análise da atuação da Comissão de Valores Mobiliários, o enfoque que mais se adequou foi o da teoria da regulação responsiva, que enfatiza a importância da interação entre reguladores e regulados. Nele, se   defende que a regulação deve ser adaptativa e responsiva às condições sociais, econômicas e políticas (que estão em constante mudança), buscando soluções colaborativas através de diálogos construtivos entre reguladores e regulados. 

É importante destacar que a regulação responsiva se afirma como uma teoria que, desde o início, buscou superar o impasse entre posições extremas que defendiam, de um lado, a intensificação da regulação estatal e, de outro, a total desregulação. Isto é, a regulação responsiva buscou estudar uma forma em que o Estado não controlasse tanto os mercados e os regulados e, igualmente, não fosse completamente ausente do controle da ordem econômica. Esse posicionamento é evidente no próprio subtítulo do livro de Ayres e Braithwaite sobre regulação responsiva: transcendendo o debate da desregulaçãov

A premissa central desse pensamento que advém da teoria da regulação responsiva reside no reconhecimento de que as melhores oportunidades para desenvolver alternativas de design regulatório surgem no espaço de interação e influência mútua entre a regulação estatal e a privada. Isso busca superar a discussão polarizada entre a necessidade de regular ou desregularvi

O regulador tem, portanto, a capacidade de se concentrar na reorientação dos pontos de interação entre a regulação pública e privada, em vez de buscar modelos igualmente problemáticos de autorregulação voluntáriavii

É nesse aspecto que se buscou entender se a participação pública buscada pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários na edição da Resolução nº 175 de 2022 pode ser retratada como um exemplo de regulação que seguiu as recomendações aqui descritas sobre regulação responsiva. 

A estrutura do Sistema Financeiro Brasileiro e a função da CVM – Comissão de Valores Mobiliários

Antes de comparar o processo de elaboração da Resolução CVM nº 175, datada de 2022, e as teoria da regulação responsiva, é necessário compreender a origem e a função dessa entidade dentro da estrutura do Sistema Financeiro Brasileiro. 

Sabe-se que os mercados financeiros cumprem um papel crucial na economia global, proporcionando um ambiente onde ocorrem transações de ativos financeiros, como ações, títulos, moedas e derivativos. Além disso, os mercados financeiros também fornecem informações e servem como termômetro do sentimento dos investidores em relação às condições econômicas. Isto é, por meio dos preços dos ativos negociados nos mercados financeiros, como as flutuações nas bolsas de valores e nas taxas de câmbio, os investidores obtêm sinais sobre o desempenho e as perspectivas das empresas, setores e economias. Essas informações são cruciais para tomadas de decisões de investimento, alocação de recursos e formulação de políticas econômicasviii

Como todo e qualquer mercado, os mercados financeiros estão sujeitos à autoridade das leis, que são resultantes do processo legislativo regular. No caso dos mercados financeiros, a regulamentação fica por conta do Poder Executivo, que exerce sua competência para estabelecer normas de conduta para os agentes do mercado e que orientam, também, os seus comportamentos. 

A estrutura básica de regulação do Mercado Financeiro brasileiro encontra-se prescrita na Lei nº 4.595/1964, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias. O sistema financeiro brasileiro é composto por diferentes instituições e órgãos reguladores que desempenham papéis específicos na economia do país. 

Em primeiro lugar, temos as instituições financeiras, como bancos comerciais, bancos de investimento, cooperativas de crédito, entre outros. Essas instituições oferecem uma variedade de serviços financeiros, como empréstimos, investimentos, cartões de crédito e contas bancárias. Em segundo lugar, o sistema financeiro brasileiro conta com órgãos reguladores e fiscalizadores responsáveis pela supervisão e controle das atividades financeiras: 

  • O Banco Central do Brasil – BACEN que é o principal órgão regulador, que tem como objetivo manter a estabilidade e a integridade do sistema financeiro, além de regular a política monetária do país; 
  • A Comissão de Valores Mobiliários – CVM que é responsável por regular e fiscalizar o mercado de valores mobiliários, como ações e títulos de renda fixa; 
  • O Conselho Monetário Nacional – CMN; 
  • Superintendência de Seguros Privados – SUSEP; 
  • Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC; 
  • Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – ANBIMA; e 
  • Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros – BM&FBOVESPA. 

Essa estrutura do sistema financeiro brasileiro, composta por instituições financeiras, órgãos reguladores e entidades de autorregulação, trabalha em conjunto para promover o funcionamento seguro, eficiente e transparente do sistema financeiro do país, fomentando o desenvolvimento econômico e protegendo os interesses dos participantes do mercado e dos consumidoresix

Dentro dessa estrutura, destaque-se a CVM – Comissão de Valores Mobiliários, que foi instituída em 1976, na época em que o Governo Brasileiro buscou impulsionar o mercado de ações, e, para tanto, concedeu incentivos fiscais e criou fundos de investimento em ações que possibilitaram aos brasileiros investirem a parcela do imposto de renda devida em açõesx

A instituição da CMV e a definição de suas atribuições representaram a entrada da economia brasileira em uma nova etapa em relação ao mercado de valores mobiliários e às sociedades anônimas. A criação desse novo órgão transferiu para ele as responsabilidades anteriormente desempenhadas pelo Banco Central do Brasil no que diz respeito aos valores mobiliários, consolidando sua posição como uma entidade especializada nesse campoxi

Vale frisar que a Comissão de Valores Mobiliários é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Fazenda, entidade supervisora da atividade econômica que desempenha um papel fundamental na regulação e supervisão do mercado de valores mobiliários no Brasil e que tem como principal objetivo proteger os investidores e promover o desenvolvimento saudável do mercado de capitais. 

Uma das suas principais funções é regular as atividades das empresas de capital aberto, como ações e títulos de renda fixa, de modo a estabelecer as regras e normas que as empresas devem seguir para garantir a transparência e a confiabilidade das informações divulgadas ao mercado. Isso inclui a obrigatoriedade de divulgação de relatórios financeiros, informações relevantes, eventos corporativos e a proteção dos acionistas minoritários. 

Além disso, a CVM também é responsável por autorizar e fiscalizar a atuação dos intermediários do mercado, como corretoras, distribuidoras e administradores de fundos de investimento. Ela exerce um papel de supervisão, verificando se essas instituições estão operando de acordo com as normas e regulamentos estabelecidos, visando proteger os interesses dos investidoresxii

Em resumo, a referida CVM desempenha uma função essencial no mercado de capitais brasileiro, assegurando a transparência, a proteção aos investidores e o desenvolvimento adequado do mercado. Seu trabalho contribui para a confiança e a integridade do sistema financeiro, fortalecendo a economia como um todo. 

O processo de elaboração da Resolução CVM 175/2022 e sua relação com as recomendações da teoria da regulação responsiva 

Mais recentemente, no exercício de suas competências normativas, a Comissão de Valores Mobiliários editou a Resolução nº 175, de 23 de dezembro de 2022xiii, visando a dispor sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como sobre a prestação de serviços para os fundos

Editada após exatos 8 (oito) anos da edição da Instrução CVM 555/2014 (antiga Instrução dos Fundos de Investimentos) a Resolução CVM 175 representa um novo marco regulatório dos fundos de investimento, principalmente porque moderniza seu arcabouço e estabelece a sistematização de 38 (trinta e oito) normas em uma única resolução. 

À medida que reflete as inovações introduzidas no ordenamento jurídico dos fundos de investimento pela Lei nº 13.874/19, conhecida como “Lei de Liberdade Econômica” (LLE), a Resolução CVM 175 promove inovações para a indústria de fundos de investimento e maior segurança para o patrimônio dos investidores. 

A indústria brasileira de fundos de investimentos se consolida como uma das alternativas de investimento mais populares do país e a Resolução CVM 175 tem como objetivo maior a proteção do investidor, limitando responsabilidades, trazendo o instituto da insolvência e mais transparência. 

A edição da Resolução CVM 175 representa o desfecho da mais ampla consulta pública já conduzida pela CVM e visa promover a convergência do mercado local com as práticas adotadas em mercados internacionais mais avançados. Além disso, a resolução mira estabelecer e solidificar práticas de mercado e decisões tomadas pelo colegiado da Comissão. 

O texto final da Resolução CVM 175 foi antecedido pelo Edital de Audiência Pública CVM nº 08/20, no âmbito da qual foi amplamente debatida a minuta que veio a se tornar a Resolução CVM 175. É importante destacar que a audiência pública recebeu comentários entre os dias 1º de dezembro de 2020 e 15 de abril de 2021. 

Para exemplificar como as contribuições se deram, é necessário elucidar que a Resolução CVM 175 é composta por uma parte geral, aplicável a todos os fundos de investimento (independentemente de sua categoria), e complementada por anexos normativos (cada qual aplicável a uma categoria específica de fundo de investimento). 

No âmbito da audiência pública, foram apresentados os “Anexos Normativos A e B”, dedicados aos fundos de investimento financeiro (FIF) e aos fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDC) e as manifestações dos regulados recebidas em resposta foram todas disponibilizadas integralmente na página eletrônica da CVMxiv

Segundo o Relatório de Análise produzido pela Superintendência de Desenvolvimento de Mercado – SDM, foram recebidas 92 manifestações oriundas de uma gama heterogênea de participantes, resultando em aproximadamente 2,4 mil páginas de comentários e sugestões recebido pelo público e todas elas foram analisadas e subsidiaram a construção da proposta definitiva da Resolução. 

Para exemplificar a forma como se deu a participação pública durante o processo de regulação, destacam-se alguns comentários e sugestões feitas pelos agentes regulados e como a Comissão de Valores Mobiliários reagiu, incorporando (ou não) as sugestões colhidas na Audiência Pública CVM 8/20: 

Alcance da Resolução CVM 175.

Durante a audiência pública, foram apresentadas algumas observações em relação ao alcance da norma, com sugestões para disciplinar de modo mais expresso a forma de integração entre a parte geral da Resolução e as regras específicas por categoria de fundo de investimento. 

Em atenção aos comentários e sugestões, a redação da norma foi alterada para deixar explícito que a referida Resolução contém uma parte geral, aplicável a todos os fundos de investimento, complementada por anexos normativos, as quais estabelecem as regras específicas de cada categoria de fundo. 

A propósito, confira-se a redação final do art. 2º: 

Art. 2º As regras estabelecidas nesta parte geral da Resolução são aplicáveis a todas as categorias de fundos disciplinadas nesta Resolução, sem prejuízo das regras específicas dispostas nos Anexos Normativos, conforme o parágrafo único. 

Parágrafo único. As regras dispostas nesta parte geral da Resolução são complementadas pelas regras específicas aplicáveis a cada categoria de fundo, conforme dispostas nos Anexos Normativos e demais regulamentações aplicáveis, prevalecendo, em caso de conflito, a regra específica sobre a regra geral. 

Categorização de classes de cotas

A audiência pública recebeu alguns comentários no sentido de que a norma como inicialmente redigida poderia legitimar a existência de fundos de investimento com classes de diferentes categorias dentro da mesma estrutura, dado que as regras fiscais atualmente em vigor (que não reconhecem a existência de classes de cotas) tributam rendimentos ou ganhos atinentes a investimentos em função apenas de sua categoria. 

A CVM ponderou que as regras para os fundos de investimento, conforme introduzidas no ordenamento jurídico pela LLE, configuram uma inovação relevante para esse segmento de mercado, que atualmente conta com cerca de 27 mil fundos, 35 milhões de contas e R$ 7,5 trilhões de patrimônio líquido. A regulamentação de mercado tem o desafio de não obstar o florescimento da inovação nesse robusto mercado. 

Ponderou, contudo, que a possibilidade de convivência de classes diferentes de categorias na mesma estrutura poderia representar incerteza em relação à tributação dos investimentos, dado que as regras fiscais atualmente em vigor (que não reconhecem a existência das classes de cotas) tributam rendimentos ou ganhos atinentes a investimentos em fundos (não em classes) em função de sua categoria. 

Por essa razão, optou-se por uma solução que atenderia parcialmente aos comentários e sugestões, de modo que foi mantida a sistemática de atribuir uma categoria ao fundo de investimento, bem como de requerer que as classes pertençam à mesma categoria, mas a categoria (conforme definição que passou a contar na Resolução) se vincula ao anexo normativo utilizado. A propósito, confira-se o teor do art. 3º, inciso VIII, da Resolução CVM 175: 

Art. 3º Para os efeitos desta Resolução, entende-se por: 

(…) 

VIII – categoria (do fundo): classificação decorrente da política de investimentos do fundo, conforme previstas nos Anexos Normativos, observado que cada Anexo Normativo disciplina uma única categoria; 

Responsabilidade dos Cotistas

Com relação ao dispositivo que trata dos efeitos da responsabilidade ilimitada dos cotistas (art. 18, parágrafo único), diversas manifestações sugeriram que a responsabilidade dos destes perante a classe de cotas fosse limitada. 

Sustentaram, em suma, que a limitação absoluta da responsabilidade dos cotistas pode criar iniquidades lesivas para credores de boa-fé e apontam que não existem justificativas para que se proíba que classes de responsabilidade limitada e ilimitada coexistam no mesmo fundo de investimento.  

No Relatório de Análise da Audiência Pública SDM nº 08/20, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários acolheu a sugestão de afastar a vedação de que o cotista do fundo exclusivo tenha sua responsabilidade limitada ao valor subscrito e optou-se pela utilização do sufixo “Responsabilidade Limitada”, dado ser a expressão já popularmente conhecida e de fácil compreensão pelo público em geral. 

Definiram, ainda, que responsabilidade deles deve ser disciplinada nos anexos das classes de cotas (art. 48, § 2º, inciso II), de forma que o mesmo fundo de investimento possa contar com classes de cotas de responsabilidade limitada (arts. 6º, § 3º e 18) e ilimitada. 

A propósito, confira-se a redação final do art. 48, § 2º, inciso II, da Resolução 175 após a implementação de algumas das sugestões advindas da Audiência Pública SDM nº 08/20: 

Art. 48. O fundo de investimento é regido pelo regulamento e, se for o caso, suas classes de cotas são complementarmente regidas por anexos ao regulamento. 

§ 2º Os anexos descritivos de classes, cada qual relativo a uma classe em específico, devem dispor sobre: 

II – a responsabilidade dos cotistas, determinando se está limitada ao valor por eles subscrito ou se é ilimitada; 

Fundos Socioambientais. 

Foram sugeridas abordagens relacionadas à gestão de riscos socioambientais, conteúdo de certificações e condutas esperadas de agentes de mercado, para que a medida fosse estendida a todas as categorias de fundos de investimento. 

As sugestões foram acolhidas no que se refere ao alcance dos arts. 49 e 56, para torná-los disponíveis a todas as categorias de fundos, assim fazendo parte da regra geral. Essa opção decorreu do entendimento de que já existe um consenso em torno da necessidade de prover informações ambientais, sociais e de governança ao mercado sobre as operações que se propõem a gerar benefícios dessa natureza. 

Assim, por conta das sugestões, a Resolução CVM 175 adotou um sistema por meio do qual, caso o fundo ou classe de cotas possua denominação que contenha alusão às finanças sustentáveis: (i) o regulamento deve disciplinar a matéria, inclusive no tocante à prestação de informações aos investidores (art. 49), (ii) o material divulgado deve informar se a originação de benefícios socioambientais positivo faz parte da política de investimentos ou se o objetivo é somente integrar fatores “ESG” à gestão da carteira (art. 60) e (iii) os prospectos de distribuição de cotas de classes fechadas devem trazer informações sobre a matéria (art. 138). 

Inclusão de criptoativos no rol de ativos elegíveis aos FIF. 

A audiência pública recebeu algumas propostas de inclusões de criptoativos no rol de ativos elegíveis aos FIF (Fundo de Investimento Financeiro). A proposta foi acatada e os criptoativos foram inseridos no rol de ativos sujeitos à aplicação por parte dos fundos de investimento por equiparação, nos mesmos termos em que foi feito para os ativos ambientais. 

O escopo da solução esteve em permitir que os fundos possam operar esse novo segmento de mercado, sem, contudo, fragilizar os controles relacionados à existência, integralidade e titularidade dos ativos – uma clássica preocupação da regulamentação de fundos. 

Por conta desses exemplos de participação pública dos agentes regulados, pode-se perceber um extenso debate e diálogo construtivo entre as organizações e as entidades reguladoras durante o processo de elaboração da Resolução CVM 175, de 2022, que contou com ampla participação dos regulados no âmbito da Audiência Pública nº CVM 8/20 e promoveu a cooperação e a melhoria contínua do desempenho. 

É justamente essa atuação que é incentivada no modelo regulatório da regulação responsiva, que significa negociar, renunciando-se à aplicação intransigente de regras para valorizar o comportamento cooperativo do regulado e, em última análise, ampliar os efeitos da regulação. 

Trazer a opinião dos participantes e, na medida do possível, acolher as suas sugestões, valoriza o comportamento cooperativo do regulado e faz com que a norma criada seja de fato cumprida, evitando maiores esforços na punição de eventuais descumprimentos por parte dos regulados. 

Isso corrobora a ideia de que estratégias regulatórias que incorporam as normas dentro das empresas e demais agentes regulados, as tornam partes integrantes do processo de produção por meio da aprovação de propostas pelos próprios regulados, e resultam em um maior alinhamento do comportamento empresarial com as prescrições normativasxv

Conclusão 

O presente estudo buscou analisar a participação pública buscada pela CVM – Comissão de Valores Mobiliários na edição da Resolução CVM 175/2022 como exemplo de regulação responsiva. 

Verificou-se que a participação pública desempenhou um papel fundamental no processo de elaboração da Resolução CVM 175/2022 por meio da realização de audiências públicas e da análise de contribuições. Atuando dessa forma, a CVM demonstrou seu compromisso de envolver os interesses dos regulados pela regulamentação dos fundos de investimentos e isso resultou em um ambiente regulatório mais inclusivo, transparente e legítimo, em que diferentes pontos de vista foram considerados e debatidos. 

A regulação responsiva revelou-se uma alternativa eficaz para superar o debate polarizado entre a regulação estatal e a desregulação completa, de forma que a combinação de autorregulação com supervisão estatal permitiu a construção de normas regulatórias mais efetivas e adaptáveis, capazes de responder às necessidades e desafios do setor de fundos de investimentos. 

Ao adotar as recomendações da teoria da regulação responsiva, a CVM – Comissão de Valores Mobiliários reconheceu a importância da participação pública como um meio de ampliar a legitimidade e a aceitação das normas regulamentares. A inclusão dos diversos atores do mercado tem o potencial de fortalecer o processo regulatório, garantindo uma maior representatividade e levando em consideração perspectivas dos diferentes interessados. 

Por isso, no contexto da CVM – Comissão de Valores Mobiliários e da edição da Resolução CVM 175/2022, a participação pública representou mecanismo valioso para promover a eficácia regulatória e a governança do mercado de valores mobiliários, estando orientada por recomendações da teoria da regulação responsiva. 

Autora: Gabriela Leite Farias

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