Limitação de juros remuneratórios: principais aspectos nas demandas de planos econômicos e entendimento da jurisprudência sobre o tema 

O universo da macro lide que discute os diversos planos econômicos instituídos na história econômica brasileira nos revela, dentre muitas peculiaridades, a prevalência de algumas teses que justificariam – ou aumentariam – a judicialização das inúmeras ações pelo país. 

Nesse aspecto, os pedidos acessórios ganharam especial relevância, especialmente quanto à aplicação dos juros que, quando projetados no tempo, elevam substancialmente os valores pleiteados e impactam diretamente no crédito que pode vir a ser recebido. 

Assim, de modo geral, aplicam-se aos pedidos decorrentes de expurgos inflacionários os juros moratórios e os juros remuneratórios, sendo o último objeto de análise neste artigo. 

Antes de adentrarmos especificamente no tema de limitação dos juros remuneratórios, contudo, é necessário contextualizar que estes foram criados a partir da percepção da relação de disponibilidade e remuneração do capital com o tempo transcorrido, algo que aponta para o fato de haver uma notória evolução histórica capaz de coadunar sua existência com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, dentre outros. 

Há diversas obras literárias e artísticas que demonstram de maneira ilustrativa o inquestionável aperfeiçoamento dessa matéria, como, por exemplo, “O mercador de Veneza”, peça de William Shakespeare escrita em meados de 1596-1598 e “Vidas Secas”, livro de autoria de Graciliano Ramos, escrito no ano de 1938. É pertinente salientar, inclusive, que ambas as obras possuem conhecidas adaptações cinematográficas, o que demonstra notória popularidade.  

A título de curiosidade, na obra shakespeariana, conhecida pelo seu considerável conteúdo jurídico, o personagem judeu Shylock estabelece o empréstimo de dinheiro a juros altos, conduta que era abominada pela Igreja Católica na época, até que surge a figura do mercador que empresta dinheiro gratuitamente, o que promove verdadeiros embates na trama. 

Já em “Vidas Secas”, uma das principais obras da literatura brasileira, o humilde personagem Fabiano era casado com Sinha Vitória, que, apesar de possuir habilidades na realização de cálculos, é incapaz de impedir que o marido fique endividado com a cobrança infundada de juros realizada por seu empregador, o que acaba por perpetuar a situação de miséria da família. 

Na contemporaneidade, por sua vez, a legislação e a jurisprudência vêm constantemente dando atenção ao tema dos limites e aplicação de juros, sejam eles moratórios ou remuneratórios, a fim de evitar possíveis desequilíbrios que podem vir a ocorrer entre os sujeitos envolvidos na relação jurídica. 

Os juros remuneratórios, basicamente, são aqueles que remuneram um empréstimo realizado por outrem. São aplicados em diversas operações de crédito, inclusive nas contas poupanças, pois é de conhecimento público que o capital aplicado na poupança é utilizado pela instituição financeira na disponibilização de crédito ao mercado e, em contrapartida, o poupador é remunerado em um determinado percentual no período em que o seu dinheiro esteve à disposição da instituição. 

É comum, inclusive, que eles também sejam denominados juros compensatórios, justamente por essa característica de servirem como uma contraprestação ou compensação. 

Como consagrado na doutrina e na jurisprudência, os juros remuneratórios têm natureza jurídica contratual, posto que estipulados dentro da relação jurídica privada (por exemplo, poupador e banco). 

Verifica-se, portanto, a reiteração de pedidos de pagamentos de diferenças dos expurgos inflacionários com a contabilização de juros moratórios e remuneratórios. Todavia, ao realizar os pedidos quanto aos referidos juros remuneratórios, os poupadores (e seus advogados) podem confundir o conceito dos juros e os inserem em seus cálculos como sendo devidos até o efetivo pagamento das diferenças pleiteadas, o que, evidentemente, impacta no montante final requerido, levando em consideração que, muitas vezes, são processos que contam com vários anos de tramitação. 

Os valores depositados em contas poupança são regulados pelas regras da desta, assim como todos os seus acessórios, incluindo os juros remuneratórios. Dessa forma, o entendimento que tem prevalecido no STJ é de que os juros são devidos tão somente até o encerramento do contrato de poupança, pois, à luz de sua natureza jurídica contratual, o encerramento põe fim à relação jurídica antes havida. 

Nesse passo, diferentemente do fim formal dos contratos em geral, a conta poupança chega ao seu fim quando apresentar saldo “zero”, isto é, se não há valor depositado, por via de consequência, não há contrato de depósito. 

Outra consideração, ainda que basilar, é a de que os juros remuneratórios são prestações acessórias e, uma vez que não há valor depositado, não há que se falar em remuneração do que não existe, de modo que vale a máxima de que a obrigação acessória segue a obrigação principal. 

A jurisprudência, após árdua atuação dos advogados que representam as instituições financeiras, tem se firmado no sentido de limitar os juros remuneratórios até a data do encerramento da conta, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça, Corte com a missão constitucional de unificar e interpretar a lei federal no país, que possui inúmeros precedentes publicados desde 2019.,É possível afirmar que o entendimento do STJ hoje está pacificado, pois além dos precedentes supramencionados, há diversos acórdãos que também convergem com esse posicionamento, tanto da 3ª Turma quanto da 4ª Turmas. Da 3ª Turma, é possível citar, a título de exemplificação, o AgInt no REsp nº 1.545.905/RS, de relatoria do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva; AgInt no AREsp nº 1.719.223/SP, de relatoria do Min. Marco Aurélio Bellizze; AgRg no REsp nº 1.505.007/MS, de relatoria do Min. Moura Ribeiro; AgInt no AREsp nº 1.543.386/SP de relatoria da Min. Nancy Andrighi; AgInt no AgInt no REsp nº 1.749.783/SP de relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseverino; e AgRg no AREsp 694.849/MS, de relatoria do Min. João Otávio de Noronha. 

Na 4ª Turma do STJ, por sua vez, é possível encontrar mais acórdãos que determinaram a limitação dos juros remuneratórios até a data de encerramento da conta poupança, como o AgInt no AREsp nº 1.574.460/SP, de relatoria do Min. Raul Araújo; AgInt no AREsp nº 1.689.507/SP, de relatoria da Min. Maria Isabel Galotti; REsp nº 1.535.990/MS, de relatoria do Min. Luis Felipe Salomão; e AgInt no AREsp 1.045.968/SP, de relatoria do Min. Marco Buzzi. 

E é indiscutível o impacto econômico decorrente da limitação dos juros remuneratórios nas demandas envolvendo expurgos inflacionários, uma vez que o encerramento das contas poupança pode ter ocorrido há décadas.  

Devido à relevância do tema, inclusive, o STJ no REsp nº 1.877.300/SP e REsp nº 1.877.280/SP, de relatoria do Min. Raul Araújo, em decisões publicadas no DJe em 22/06/2021, afetou, sob o regime dos recursos repetitivos (“Tema 1.101”), o julgamento da seguinte questão jurídica: “termo final da incidência dos juros remuneratórios nos casos de ações coletivas e individuais reivindicando a reposição de expurgos inflacionários em cadernetas de poupança”. 

No momento, portanto, aguarda-se o julgamento do Tema 1.101 do STJ, que certamente impactará de maneira direta milhares de demandas espalhadas por todo o território nacional e uniformizará os julgamentos acerca da matéria. 

Autora: Natália Ignan Machado
Coautor: Bruno Morais Di Santis

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